Acompanhei as campanhas pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita da trincheira do Em Tempo, semanário da imprensa alternativa formado por uma frente de jornalistas (e outros profissionais) de esquerda e independentes, grande parte originária do Movimento. Em 1978, lançamos a edição histórica que denunciava nominalmente 433 torturadores, ao lado de Bernardo Kucinski, Flávio Andrade, Virgínia Pinheiro, Mouzar Benedito, Altair Moreira, Maria Rita Khell, Flávio Aguiar, Marco Aurélio Garcia (enviando colaborações ainda da Europa), os saudosos Jorge Baptista e Eder Sader – e tantos outros companheiros em São Paulo e em vários Estados. O jornal esgotou em todo o país – e passamos a enfrentar a reação da extrema-direita, que fazia ameaças de morte e atirava bombas na redação.

A luta pela Anistia era pauta constante do jornal, ao lado da cobertura dos movimentos sociais, em especial da retomada das greves do movimento operário, e das reflexões sobre as experiências da esquerda brasileira e internacional.

Uma outra pauta que se transformou em campanha no Em Tempo foi a da luta pela libertação de Flávia Schilling, brasileira, militante Tupamara, presa no Uruguai. Lembro-me da matéria emocionada e afetiva – talvez até melosa – feita com ela no momento do seu retorno ao Brasil.

A cobertura da morte do delegado torturador Sérgio Fleury, cuja manchete novamente atraiu a ira de direitistas contra o Em Tempo, foi outro ponto de destaque na existência do semanário.

A frente de esquerda organizada em torno do jornal cumpria, assim, alguns papéis importantes: contribuía no combate à ditadura; reciclava o exercício da militância política; e construía alternativas efetivas de comunicação ligadas aos movimentos sociais.

Quando surgiu a perspectiva de organização do Partido dos Trabalhadores, o Em Tempo engajou-se de forma positiva, mantendo contudo a sua autonomia enquanto jornal independente. Contribuiu, assim, para uma rica experiência de construção política democrática em nosso país.

Em termos muito mais amplos, a luta pela Anistia significou uma grande vitória da esquerda brasileira. Centenas de milhares de pessoas se mobilizaram em todo Brasil. A conquista teve grande importância para toda a sociedade, apesar de não ter representado tudo o que ela almejava. Novas conquistas têm sido obtidas ao longo dos anos. E muitas outras precisam ser feitas.

Nos últimos meses, o trabalho coletivo de planejar, organizar e realizar em São Paulo a programação do "Anistia 20 anos depois: ontem e hoje", cujo ponto alto foi o Ato Público no TUCA, na noite de 23 de agosto último, representou, por si só, mais uma construção vitoriosa. No mínimo três gerações estiveram representadas nesse conjunto, com pessoas de diversas origens políticas, engajadas socialmente em diversos tipos de atividade e pertencentes a partidos diferenciados. A heterogeneidade, contudo, deu base à convivência harmoniosa, à tolerância política, à solidariedade e ao companheirismo. Nesse clima, a partir de objetivos básicos comuns, todas as divergências puderam ser tratadas e resolvidas democrática e fraternalmente.

Experiência que deve ser preservada e continuada – sobretudo numa conjuntura de crise política que aponta para a reativação dos movimentos sociais, tanto no Brasil como internacionalmente.

 *Carlos Tibúrcio é jornalista, dirigente do Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM/SP), um dos organizadores do Movimento Internacional ATTAC no Brasil, autor, juntamente com o deputado federal Nilmário Miranda (PT/MG), do livro Dos filhos deste solo – mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado, recém lançado pela Editora Fundação Perseu Abramo e Boitempo Editorial. Foi liderança do movimento estudantil na Bahia, dirigente da Polop e do POC e preso político em São Paulo de 1973 a 1975.

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