Todos nós que enfrentamos a ditadura, a tortura, as prisões ou o exílio, sabemos das limitações da anistia de 1979. Não só aquela que tentava dividir os que tinham cometido “crimes de sangue” e os demais, como principalmente a que anistiava os torturadores, os carrascos que assassinaram tantos dos nossos. Mas ninguém negará a alegria, a emoção, a sensação de liberdade, o sentimento de euforia por poder abraçar tantos companheiros saídos da prisão ou chegados do Exterior.

 

Eu havia cumprido quase quatro anos na Penitenciária Lemos de Brito em Salvador, entre 1970 e 1974, saído sob liberdade condicional, condenado que fora a oito anos. Entre 1974 e 1979 a tristeza constantemente me assaltava, ao lembrar que Theodomiro e Paulo Pontes, amigos queridos, continuavam na Lemos de Brito. E a que a eles se juntaram outros.

A anistia acabou com isso, embora no caso de Theo ele tenha feito sua anistia particular, ao fugir antes, certo de que poderia ser morto se esperasse sua libertação, que não seria imediata pelo fato de ele se incluir entre os casos denominados “crimes de sangue”. Aqui, como em outros cantos do país, coube um papel destacado ao Comitê Brasileiro de Anistia, mas também ao Movimento Feminino pela Anistia. A justiça aos dirigentes desses movimentos certamente será feita em outros textos.

A par da alegria, das emoções, da certeza de que a anistia foi uma conquista difícil, com todas as suas limitações, penso na nossa tradição acomodatícia. Na capacidade das classes dominantes brasileiras, por suas elites políticas, de produzirem transições pactadas, conservadoras, capazes, até hoje, de sempre estancarem a continuidade de um processo de mudanças. Mudar, remexer, revolver, e depois rapidamente jogar a terra por cima, e continuar o processo de dominação. Tem sido essa a nossa história, por mais que as análises cândidas queiram diferente. A anistia e o processo de abertura política conduzido pela ditadura teve muito disso, e os resultados posteriores o confirmaram.

A perspectiva de reabertura do caso Riocentro quem sabe abra alguma perspectiva de punir criminosos. Mas, é bom conferir, pressionando. A luta pela democracia e pelo socialismo no Brasil não é fácil e nem de curta duração, como se tem visto. Mesmo nos países vizinhos latino-americanos, o processo pós-ditadura foi mais rigoroso que o nosso. As vitórias do pensamento neoliberal no país têm contribuído para reforçar a tradição “prussiana” e para que não só torturadores desfilem impunes como para que políticos que tiveram papel destacado na ditadura continuem em postos de mando nos dias de hoje.

Com isso se está querendo dizer que é necessário estar atento e forte. Continuar a luta pela democracia e pelo socialismo. Que, para sermos dignos dos que ficaram pelo caminho, temos que ser persistentes e, no Brasil, pacientes. A construção de um novo país será feita tijolo por tijolo, mesmo que o desenho não seja lógico. O importante é que duas décadas se foram, e muitos de nós continuamos aqui, na mesma trincheira, certos de que a anistia conquistada foi um passo numa longa caminhada.

 

*Emiliano José, ex-preso político, jornalista, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.

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