A anistia foi resultado de uma ampla mobilização da sociedade brasileira pelo redemocratização do país, que se expressava na retomada da luta sindical simbolizada nas greves do ABC, a resistência dos intelectuais, a agitação estudantil e, especificamente, o trabalho dos comitês pela anistia, os CBAs. No meu caso específico, a "anistia" ocorreu cerca de um mês e meio antes, em junho de 1979, quando fui libertado dos cárceres argentinos após quatro anos de prisão.

A anistia foi resultado de uma ampla mobilização da sociedade brasileira pelo redemocratização do país, que se expressava na retomada da luta sindical simbolizada nas greves do ABC, a resistência dos intelectuais, a agitação estudantil e, especificamente, o trabalho dos comitês pela anistia, os CBAs. No meu caso específico, a "anistia" ocorreu cerca de um mês e meio antes, em junho de 1979, quando fui libertado dos cárceres argentinos após quatro anos de prisão.

Naquele momento, éramos três brasileiros – e gaúchos – presos em países vizinhos, com a incrível coincidência de termos o mesmo nome. Eu fora detido em 1975, na Argentina, onde estava exilado. O jornalista Flávio Tavares e a jovem Flávia Schilling haviam sido presos pela ditadura uruguaia. Houve uma intensa campanha dos comitês brasileiros pela anistia em favor da nossa libertação, com repercussões no exterior, que certamente pressionou os governos argentino e uruguaio a nos libertar.

Saí do Brasil em 1970, quando a atividade dos grupos políticos de esquerda se tornou cada vez mais precária pelo recrudescimento da repressão desde a edição do AI-5. Passei pelo Chile, onde acompanhei a primeira fase do Governo de Allende, e me transferi para a Argentina, onde retomei minha militância. Fui seqüestrado e, depois, formalmente processado e preso por atividades políticas um pouco antes do Golpe Militar do general Videla.

Posso dizer que o trabalho constante, intenso e sistemático dos comitês pela anistia e dos meus familiares não apenas encurtou minha permanência nas prisões como também pode ter salvo a minha vida. A ditadura Videla foi uma das mais sanguinárias das que assolaram a América latina nos anos 60 e 70, sendo responsável por mais de 300 assassinatos reconhecidos e pelo desaparecimento de 30 mil pessoas. Portanto, a insegurança era permanente, inclusive dentro das prisões.

A campanha dos comitês que produziam noticiários sobre a minha situação de brasileiro preso na Argentina, as repercussões das visitas da Cruz Vermelha e entidades e diplomatas significava uma denúncia permanente da ditadura Videla, fazendo com que minha presença eu me tornasse um incômodo para o governo militar. Eu estava condenado a seis anos e meio de prisão e acabei, fruto deste campanha, sendo indultado pelos militares. Como não podia retornar ao Brasil, fui para a França como refugiado político, sob a proteção das Nações Unidas. Só estive no Brasil em dezembro, para rever familiares e agradecer pessoalmente as entidades e pessoas que lutaram pela minha libertação.

Decidi permanecer na França para terminar o curso de sociologia e trabalhar psiquicamente minha experiência nas prisões argentinas que funcionavam para aniquilar o ser humano, quebrar suas referências e destruir suas vontades. Relatei esta experiência na tese que defendi na França e que, quando retornei definitivamente ao Brasil, em 1984, foi transformada no livro "Pedaços de Morte no Coração". No final das contas, entre o Chile, a Argentina e a França, foram 14 anos longe do Brasil, de Porto Alegre, da minha cidade, dos familiares, dos amigos. Quem viveu a impossibilidade de estar sabe exatamente a importância, o valor e a alegria de retornar.

 *Flávio Koutzii, ex-preso político brasileiro na Argentina, durante 4 anos. Atualmente Secretário do Governo do Rio Grande do Sul.

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