Por Renata Lo Prete.

Intelectual vê concentração e pouca democracia na mídia

No momento em que a TV alavanca a pefelista Roseana Sarney e vira pomo da discórdia entre pré-candidatos tucanos, é útil lembrar o papel desempenhado por esse meio de comunicação em eleições passadas.

Essa é uma das possibilidades oferecidas por Mídia: Teoria e Política, obra de Venício Artur de Lima que será lançada hoje, às 17h, no encerramento da Feira do Livro de Porto Alegre. O lançamento em São Paulo será amanhã, às 19h, no Museu da Cultura da PUC.
Alguns inéditos e outros atualizados, os dez textos do livro são fruto de pesquisas desenvolvidas nos últimos 20 anos pelo autor, respeitado estudioso dos meios de comunicação no país.

Lima, 56, é professor aposentado da UnB (Universidade de Brasília). Atualmente dá aulas na Universidade de Caxias do Sul, além de integrar a equipe que implanta a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.

Antes de chegar à política, o livro se ocupa de teoria da comunicação nos três capítulos iniciais, de interesse mais restrito a estudantes e especialistas.

Na seqüência, outros dois são dedicados à investigação das mudanças no panorama mundial do setor de comunicações, submetido a acelerada concentração, e de seus reflexos no país. Para o autor, são três as características do caso brasileiro: manutenção do domínio exercido por poucos grupos familiares e por elites regionais; entrada em cena de “um novo e poderoso ator”, representado pelas igrejas, em especial evangélicas; fortalecimento, por meio da expansão horizontal, vertical e cruzada de propriedade, da posição hegemônica das Organizações Globo.

Diagnóstico de Lima: “Além da total exclusão das empresas públicas e do ingresso de vários “global players”, as “reformas para o mercado” não produziram, até o momento, alteração fundamental na hierarquia dos grupos que historicamente controlam o setor no Brasil.”

A mudança, diz, só terá chance de ocorrer com a entrada do capital estrangeiro, até hoje impedida pela Constituição. Vale lembrar que, para vários analistas, o poder da Globo poderá crescer ainda mais, a depender dos termos em que se der a regulamentação da abertura.

A hegemonia de um único grupo empresarial, conclui o autor, representa ameaça não apenas “para a liberdade de expressão, mas para a própria democracia”. Talvez pela proximidade de uma nova eleição, o capítulo sobre o primeiro turno de 1989 é o mais interessante dos três que analisam o papel da TV no processo político brasileiro.

Na hipótese de Lima, a vitória de Collor teria sido definida antes mesmo do horário gratuito, tanto pelo tratamento generoso que lhe foi dispensado por quase toda a imprensa quanto pelos programas de pequenos partidos usados pelo candidato para se apresentar ao eleitorado.

Filtrados pela história, alguns episódios se transformam em pura ironia. É assim com a declaração de Roberto Marinho à Folha, em julho daquele ano, justificando sua preferência pelo governador de Alagoas. Este seria, na opinião do dono da Globo, “mais assentado, mais ponderado e mais equilibrado” que os adversários.

A importância da obra vai além dessas curiosidades. Distorções nela relatadas seguem em vigor. É o caso da prática, adotada pela maioria dos institutos de pesquisa, de trabalhar simultaneamente para veículos de comunicação e candidatos.

Mas algumas observações do autor pecam por excesso de simplificação. Lima inclui as novelas no pacote de programação que teria favorecido Collor, sob o argumento de que nas tramas “a política e o político eram vistos sempre negativamente”.

“Vale Tudo” (1988-1989) é citada como exemplo maior do fenômeno. Ocorre que a história de Gilberto Braga, com suas discussões sobre “ética” e um protagonista (Antonio Fagundes) que estrelava ao mesmo tempo a propaganda do PT, foi uma mão na roda para eleger Luiza Erundina em São Paulo.

É certo que as novelas, em sintonia com o senso comum, promovem a desqualificação da política. Mas seu efeito sobre o telespectador parece ser mais matizado do que sugere o livro.

Completam o volume duas pesquisas sobre telejornalismo. O objeto da primeira é o DF-TV, noticiário da Globo em Brasília.

O estudo acerta ao identificar no programa um “enquadramento adverso em relação à administração local” que não encontra paralelo no noticiário de rede da emissora sobre o governo federal. Quem acompanhou o SP-TV durante a agonia de Celso Pitta sabe do que se trata.

Mas, em outra simplificação antiglobal, o autor exagera ao afirmar que a ênfase da pauta em demandas imediatas da população faz com que esta “não se organize para encontrar a solução de seus problemas mediante o exercício pleno da cidadania.” Por mais que existam motivos para criticar esses programas, carece de demonstração a idéia de que “o DF-TV não contribui para a solução dos problemas apontados, mas para sua perpetuação.”

A segunda pesquisa constata o progressivo desaparecimento da política e de outros assuntos “sérios” do Jornal Nacional. Ainda que a conclusão não surpreenda, pois o fenômeno vem de longe, o estudo tem o mérito de quantificá-lo pela primeira vez, a partir de mais de 400 horas de fitas.

Publicada pela Folha de São Paulo – Brasil – em 11/11/2001

`