Hip hop do início ao fim
Por Roberta Salomone
(06.nov.2001)
 

Quando o assunto é Racionais MCs, não existe acordo comum em torno da vendagem dos discos do grupo, principalmente a de "Sobrevivendo no inferno" (1997), o mais famoso deles. Uns dizem que foram 500 mil, outros arriscam até 1 milhão de cópias. Independente da diferença que separam os dois números, a opinião é unânime na hora de atribuir a Mano Brown e Cia., a responsabilidade de difusão do rap no Brasil. Apesar da letra quilométrica, "Diário de um detento" atravessou as trincheiras da periferia paulista, tornou-se um grande sucesso e marcou o início de um novo capítulo na história do hip hop tupiniquim. Enredo esse que só agora ganha um livro à altura de sua importância. Depois de dois anos e uma leve recauchutagem, o trabalho de conclusão do curso de jornalismo de Janaina Rocha, Mirella Domenich e Patrícia Casseano, Hip hop, a periferia grita (Editora Fundação Perseu Abramo), chega às lojas, trazendo uma caprichada radiografia do movimento.
 

Das histórias das antigas do dançarino de break Nelson Triunfo, passando pela dupla precursora Thaíde & DJ Hum e indo até o carioca MV Bill, o livro começa, apresentando uma definição quase didática do que é hip hop. Com mais de cem fotos, traz também um pequeno dicionário com as palavras e expressões usadas pelos manos. Algumas – “firmeza” (com certeza) e “chapado” (da hora, muito legal) –, empregadas exclusivamente pelos rappers de São Paulo. Outras, já adotadas pelos jovens de diferentes classes sociais e de diversas partes do país – sangue bom (amigo), pico (lugar) e rodar (ser preso ou pego por alguém).

Antes de escrever o livro, as três jornalistas entrevistaram b-boys, grafiteiros, DJs e gente como o americano Afrika Bambaataa e o traficante Escadinha, que começou a compor rap há quatro anos. “Eu não sou formado na cultura hip hop, sou formado na rua, sou apenas um iniciante”, diz ele, que lançou em 1999 o disco "Brazil I – Fazendo justiça com as próprias mãos". Gênero do rap que defende o crime e atividades ilícitas, o gangsta rap ganhou um capítulo especial, mesmo tendo poucos representantes por aqui. As meninas, também. Cansadas de serem alvos do machismo de alguns rappers, resolveram a dar o troco e, pouco a pouco, conquistam o seu espaço. Em Hip hop, a periferia grita, Visão de Rua, Damas do Rap e as desconhecidas do APP (Apologia das Pretas Periféricas) estão na mira de todos os refletores. Mas não são as únicas, é preciso dizer. Ficou faltando citar as cariocas do Anfetaminas e Negaativa, entre muitas outras. E, sim, faltou também falar do rap gospel, hoje liderado pelo DJ Alpiste e o grupo Apocalipse XVI.

Um dos últimos capítulos do livro, "Ecos do passado & debates do futuro" se propõe a analisar a relação do rap com a mídia. Os Racionais, notáveis pela sisudez e antipatia, estão na mira o tempo todo. "Quando se fala pouco, corre-se menos risco", explica Milton Sales, sócio da empresa do grupo. Apesar de ainda não abrirem mão das posições radicais, Mano Brown, Edy Rock e Ice Blue e KL Jay já não representam mais os rappers brasileiros, que em sua maioria, já caíram nas graças do mainstream. Em janeiro desse ano, por exemplo, o Pavilhão 9 se apresentou no palco principal do Rock in Rio. Alguns meses depois, o país inteiro começou a acompanhar, nos principais jornais e programas de TV, a gravidez da cantora Simony. O pai da criança, o detento Afro X, do grupo 509-E, quem diria, virou pop da noite para o dia.

Resenha extraída do site www.no.com.br

`