"A gente passou a viver muito por conta do próprio crescimento da categoria. Por isso que eu digo sempre que eu sou o fiel resultado do crescimento da minha categoria. Nem mais nem menos."

Por Luis Inácio Lula da Silva

Previsão política

Um episódio engraçado: Eu tinha ido jantar de madrugada com o Fernando Henrique Cardoso e o Fernando Morais. E o Fernando Henrique Cardoso fez uma análise e disse que não tinha como a polícia intervir no sindicato. Ele disse que tinha informações de que isso não era possível. Ele era suplente de senador, na época. E aí nós voltamos para o sindicato três e pouco da manhã. Eu juntei umas almofadas no sofá e deitei. Quando eu estava começando a cochilar, veio o pessoal gritando: “A polícia cercou o sindicato!” Eu olho e vejo o sindicato todo cercado: carro de bombeiro, polícia, cachorro, um monte de coisas. O Fernando Henrique já tinha ido embora. Tinha uns 500 trabalhadores dentro do sindicato querendo resistir. Nós não deixamos. Estávamos ilhados lá dentro. Era melhor irmos embora para casa. Fomos embora. Fernando Henrique já não era um bom analista político.

Antes de ser preso

Eu não estava com medo de ser preso. Fui para a casa do meu sogro, primeiro, porque não tinha muita experiência. Eu não queria ficar na minha casa. Meu sogro morava no Rudge Ramos. A diretoria decidiu que eu não deveria ir à assembléia, que me parece seria no sábado ou domingo. E eu não fui na assembléia. Mas lá o pessoal passou o tempo inteiro gritando o meu nome. A diretoria tentava falar e a massa não deixava. Quando foi no domingo, a Lélia Abramo, o Arnaldo Gonçalves e alguns companheiros foram na casa do meu sogro dizer para mim: “Você tem um papel importante a cumprir, você não pode deixar de participar das assembléias”. No dia seguinte teve uma assembléia na Igreja Matriz e eu voltei e assumi a greve de novo.

Categoria aprende

Quando foi em 1980, no começo do ano a gente intensificou o trabalho na porta de fábrica. Intensificou: era pau a pau. Eu ia para a porta de fábrica de manhã, de tarde e de noite. E aí, quando chegou a hora, nós fizemos uma greve ainda maior que a de 1979.

Fui preso com 17 dias de greve. A greve continuou mais 25 e o pessoal voltou para trabalhar. Porque na cabeça dos companheiros, passava o seguinte: “Nós agüentamos 500 dias de greve…” Eles não tinham dimensão de que é muito difícil o trabalhador ficar 40 dias sem receber salário. Só quando ele está desempregado.Tem compromissos, conta de luz, conta de água, despesas. Então, foi importante a categoria ter feito os 41 dias de greve. Por quê? Por que ela aprendeu uma grande lição comparando com a experiência da greve de 79.

Consciência sindical

Havia uma dinâmica na categoria. Na medida em que a categoria ia exigindo, você ia… Na medida em que nós fizemos uma opção de que o sindicato não seria o tutor da categoria, mas seria uma espécie de caixa de ressonância da categoria, cada vez que os trabalhadores exigiam, ao invés de a gente represá-los, a gente soltava. Então eles queriam mais boletim, era mais boletim; mais atividade, era mais atividade; mais curso de formação política, era mais curso de formação política. Eles queriam que a gente radicalizasse mais, a gente radicalizava mais. A gente passou a viver muito por conta do próprio crescimento da categoria. Por isso que eu digo sempre que eu sou o fiel resultado do crescimento da minha categoria. Nem mais nem menos. Na medida em que ela avançava, eu avançava; na medida em que ela não avançava, eu não avançava.

Consciência política

A imprensa me ajudou muito até 1980. Porque a imprensa via no Lula um certo instrumento até para um objetivo que não era apenas nosso, era da classe empresarial brasileira que também queria as liberdades democráticas. Houve manifestações de vários empresários e de vários intelectuais pela democracia. Então, naquele tempo eu era “apolítico”. Tudo que um jornal conservador gosta é de um dirigente apolítico.

As elites conservadoras brasileiras são hipócritas. Elas até admitem que o trabalhador saiba reivindicar. Mas não admitem que a classe trabalhadora se organize politicamente. Então, quando eu era sindicalista, o tratamento era bom. Quando a gente começou a criar o PT, aí então é que começou a haver um divisor de águas neste país.
 

* Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de honra do Partido dos Trabalhadores e conselheiro do Instituto Cidadania.

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