Comitê Brasileiro pela Anistia – São Paulo – CBA-SP

Comitê Brasileiro pela Anistia – São Paulo – CBA-SP

O CBA/SP vem conclamar os brasileiros a lutarem pela Anistia Ampla e Irrestrita a todos os Presos e Perseguidos Políticos, e, nesse sentido, divulga a sua Carta de Princípios e seu Programa Mínimo de Ação. Ao fazê-lo, o CBA/SP afirma que a luta pela Anistia se inscreve no quadro geral das demais lutas do povo brasileiro pelas liberdades democráticas e pela total libertação econômica, social, política e cultural de toda a sociedade brasileira; e, ao mesmo tempo, proclama a especificidade da luta pela Anistia Ampla e Irrestrita a todos os Presos e Perseguidos Políticos, como necessária e imprescindível na obtenção daquele objetivo maior. Assim, o CBA/SP se compromete a defender os seguintes Princípios e a lutar pelos objetivos em seguida arrolados em seu Programa Mínimo de Ação.

PRINCÍPIOS
I. ANISTIA IMEDIATAMENTE. O golpe político-militar de 1964 instaurou no país um regime arbitrário e autoritário que suprimiu paulatinamente todas as liberdades políticas democráticas e agravou a exploração econômica dos operários, assalariados e trabalhadores em geral, e as condições de vida de todo o povo. Para sufocar o protesto e a luta dos oprimidos, o Estado, além de munir-se de uma legislação excepcional, ilegítima, autoritária e arbitrária, desenvolveu todas as formas de repressão política e policial arrogante e prepotente, da cassação de mandatos legislativos às torturas físicas e mentais, do arrocho salarial à intervenção nos Sindicatos, da invasão de Universidades à expulsão de professores e cientistas, da dissolução de organizações estudantis à perseguição a religiosos, da censura na Imprensa, Rádio, Televisão, Cinema, Teatro e Música à imposição do silêncio aos que se opunham, do fechamento dos partidos aos recessos do Congresso. A instalação e a permanência, por tempo tão longo, de um regime assim tão eficaz na exploração econômica quão opressor na dominação política, só foi possível por meio de violenta, brutal e trágica repressão. A ilegitimidade de um regime que se instalou e se manteve contra o consenso do conjunto da sociedade acabou por contaminar todas as instituições da República, submetendo o Poder Judiciário e o Poder Legislativo ao Poder Executivo e subjugando este a um onipresente e onipotente "sistema" que tudo sabe, tudo faz e tudo pode. A própria "legalidade" então gerada traz assim a marca indelével da sua ilegitimidade. No afã de submeter toda a realidade social a uma única vontade, prepotente, arrogante e inquestionável, o regime legislou, coercitivamente sobre todos e sobre tudo. Tudo foi proibido, e, por sê-lo, por tudo todos foram punidos. Não contente, o regime extravasou as próprias leis ilegítimas e coercitivas, e se espojou furiosamente na compulsão punitiva, freqüentemente sanguinária: perseguiu, suspendeu, expulsou, aposentou, cassou, exilou, baniu, prendeu, torturou, mutilou, e matou. Organizou-se para tal. Recrutou e adestrou agentes, criou repartições, destinou verbas, imaginou aparelhos e instrumentos, fiscalizou a perfeita execução dos serviços, premiou seus mais eficientes executores, obstruiu e impediu a limitada ação da precária justiça que tentou às vezes, opor-se ao arbítrio. Milhares e milhares de brasileiros, hoje, tem, entre seus parentes e amigos, seus vizinhos e seus, colegas de estudo ou profissão, uma ou várias vítimas da bestial repressão política e policial que se abateu sobre o Brasil nos últimos 14 anos. Essa opressão econômica e política a que o povo brasileiro está submetido, porém, acabou por gerar a necessidade de buscar formas coletivas e organizadas de libertação. Pouco a pouco, o povo brasileiro foi rompendo, primeiro a barreira do medo, depois a do silêncio, por fim a do isolamento. E, gradativamente, através de lutas que cada vez mais tendem a generalizar-se, parcelas de trabalhadores vem se opondo à exploração econômica, setores da sociedade civil vem se contrapondo à dominação política do Estado, exigindo o fim desse regime, lutando por amplas liberdades políticas e democráticas, nem relativas e nem futuras. Os setores mais organizados da sociedade têm conseguido, assim, conquistar formas de luta econômica e política que acabam por obrigar ao alargamento de fissuras e brechas no bloco dominante, arrancando concessões e compromissos que, se já são animadores, ainda são insuficientes. A repressão, todavia, continua ainda existindo, pronta a ser ativada a qualquer momento. Mas a Nação não o admite mais. A sociedade brasileira está disposta a não tolerar mais um único ato de repressão, e faz questão de recuperar a memória dos que foram mortos e a existência dos que ainda estão vivos, mas presos, cassados aposentados banidos, exilados e perseguidos. E a sociedade brasileira sabe porque eles são as vítimas da repressão: porque lutaram pelo direito do povo de opor-se livremente ao regime de exploração econômica e opressão política que domina a todos. E, por isso mesmo, sabe também que a Anistia só pode ser ampla – para todas as pessoas punidas por motivos políticos – e irrestrita – incondicional e para todos os efeitos. Neste momento da conjuntura nacional, em que amplos setores da sociedade brasileira lutam de várias formas por direitos políticos, o CBA/SP afirma que é indispensável e urgente a Anistia Ampla e Irrestrita a todos os Presos e Perseguidos Políticos, como uma imposição da consciência nacional e como uma face imprescindível das liberdades democráticas. O CBA/SP proclama que essa Anistia deverá ser conquistada, pois não será concedida sem luta, e se compromete a travar essa luta até conseguir plena e totalmente os seus objetivos. O CBA/SP também afirma que as formas incompletas, insatisfatórias, imperfeitas e parciais de Anistia não atendem nem ao seu ideário de luta e nem configuram as liberdades democráticas. E o CBA/SP igualmente entende que a Anistia pela qual luta não deve estender-se aos algozes de suas vítimas. A Anistia pela qual o CBA/SP se compromete a lutar, a partir de agora e até a consecução final de seus objetivos, é a Anistia Ampla e Irrestrita a todos os Presos e Perseguidos Políticos.

II. LIBERDADE DE PALAVRA, DE EXPRESSÃO, DE MANIFESTAÇAO: Sob o signo do autoritarismo, toda sorte de violência tem sido cometida contra o direito da palavra de expressão do pensamento, de manifestação. Um complexo e eficaz sistema de censura foi imposto aos jornais, às rádios e à televisão, ao Cinema, ao Teatro, à Música e às várias formas de expressão artística. O próprio Congresso foi várias vezes vítima de cerceamento, o processo eleitoral foi distorcido pelo impedimento de acesso a candidatos à televisão, revistas e livros foram proibidos, assim como peças de teatro, filmes e espetáculos artísticos. A gradativa e recente suspensão da censura prévia à Imprensa revelou a permanência dos demais aspectos do sistema de censura, como a censura empresarial e econômica, a autocensura, o controle das informações nas fontes. Enquanto fatos essenciais da vida coletiva não conseguem cegar à Televisão, a grande maioria da população continua sem acesso às técnicas e aos instrumentos da leitura, da informação e do conhecimento. Os atentados à liberdade de imprensa, mais que aos jornais e aos jornalistas, visam ao leitor, ao público, enfim, à toda sociedade, que, dessa forma, se vê privada de exprimir seus anseios, suas reivindicações e suas opiniões. O CBA/SP afirma a urgente necessidade da mais, ampla liberdade de palavra, de Imprensa escrita, falada e televisada, de expressão teatral e artística, de manifestação de pensamento.

III. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO, AUTONOMIA SINDICAL, DIREITO DE GREVE: Um dos principais alvos do regime repressivo cujo fim se reivindica tem sido as associações profissionais e culturais, científicas e gremiais. Os sindicatos de trabalhadores, principalmente, permaneceram atrelados a uma tradicional legislação paternalista e coercitiva, e, nestes últimos 14 anos, foram submetidos a vários tipos de intervenção, de maneira a desestimular a sindicalização, a banalizar a vida sindical e a impedir as legítimas manifestações dos assalariados na defesa dos seus direitos. A greve foi regulamentada de maneira a ser sempre considerada ilegal. Todavia, a imperiosa necessidade, que os trabalhadores vem sentindo, de escapar ao arrocho salarial e à desumana exploração de que são vítimas, tem conseguido romper em alguns casos com os estreitos limites legais a que se viam coagidos, constituir oposições sindicais e tentar reconquistar seus sindicatos como instrumentos de reivindicações, obter a formação de comissões de fábrica e de empresa, e exercer o direito de greve como arma de luta. Os estudantes, igualmente, apesar de todas as proibições têm conseguido, à custa de imensos sacrifícios, reconstituir sua vida associativa e suas entidades representativas. Donas de casa e setores das classes médias também tem procurado articular suas associações e suas campanhas reivindicativas. Imensas faixas da população, porém, permanecem atomizadas e isoladas na luta cotidiana contra as péssimas condições de trabalho e de vida, sem emprego, ou submetidos às mais desumanas formas de alimentação, habitação, transporte, educação e saúde. O CBA/SP afirma o direito de todos à inalienável liberdade de associação e de reunião, defende a livre organização dos trabalhadores em seus sindicatos e em seus locais de trabalho e residência, e proclama como justo e legítimo o direito de greve.

IV. LIBERDADE DE ATUAÇÃO POLÍTICA E PARTIDÁRIA. Para ocupar e manter o poder, o regime que se instalou em 1964 no lugar da legítima, dinâmica e livre atividade política a que toda sociedade humana tem direito, criou dois "partidos" artificiais, engendrou a farsa das eleições indiretas e procurou, por todos os meios ao seu alcance – da publicidade à educação, do suborno à ameaça – impor uma ideologia otimista e conformista a todos os brasileiros, falseando cotidianamente a dura realidade de todo o dia. Ainda uma vez, porém, a impostergável necessidade de expressão política fez com que alguns setores da sociedade conseguissem alargar os limites da coerção e utilizar os precários – instrumentos políticos disponíveis como canais de sua insatisfação, de seu inconformismo e de seu protesto. O conjunto da sociedade, todavia, está fora do processo de decisão política; a oposição extra-parlamentar não dispõe de instrumentos políticos adequados; os operários, os assalariados e os trabalhadores em geral continuam sem poder expressar-se politicamente e organizar os partidos que lutem por seus interesses. O CBA/SP afirma como justa e legítima toda a atividade política pela qual os amplos setores da população possam expressar seus interesses, apresentar suas propostas ao conjunto da sociedade, e assim, participar do processo de condução da Nação brasileira; e, nesse sentido, defende a ampla liberdade de organização e atuação de partidos políticos, inclusive populares e operários.

PROGRAMA MÍNIMO DE AÇÃO
Na defesa dos Princípios aqui expostos, o CBA/SP se compromete, neste momento, a encaminhar a sua luta pela consecução dos seguintes Objetivos Imediatos, que constituem o seu Programa Mínimo de Ação:

1. Fim Radical e Absoluto das Torturas. Denunciar as torturas e contra elas protestar, por todos os meios possíveis. Denunciar à execração pública os torturadores e lutar pela sua responsabilização criminal. Investigar e denunciar publicamente existência de organismos, repartições, aparelhos e instrumentos de tortura e lutar pela sua erradicação total e absoluta.

2. Libertação dos Presos Políticos e Volta dos Cassados, Aposentados, Banidos, Exilados e Perseguidos Políticos. Levantar a identidade, a localização e a situação de todos os presos, cassados, banidos, aposentados exilados e perseguidos políticos. Lutar pela sua libertação, pela sua volta ao País e pela retomada de sua existência civil, profissional e política.

3. Elucidação da situação dos desaparecidos. Apoiar a luta dos familiares e demais setores interessados, na elucidação do paradeiro dos cidadãos que se encontram desaparecidos por motivação política.

4. Reconquista do "Habeas-Corpus". Lutar pela reintrodução do "habeas-corpus" para todos os presos políticos; denunciar todas as tentativas de anulação ou obstrução desse direito e contra elas protestar por todos os meios.

5. Fim do Tratamento Arbitrário e Desumano contra os Presos Políticos. Investigar as condições a que estão submetidos todos os presos políticos. Denunciar as arbitrariedades que contra eles se cometem e manifestar, por todos os meios, o seu protesto e o seu repúdio. Exigir a liberalização da legislação carcerária. Lutar contra a incomunicabilidade dos presos políticos.

6. Revogação da Lei de Segurança Nacional e Fim da Repressão e das Normas Punitivas contra a Atividade Política. Lutar, por meios jurídicos e políticos, contra todas as normas coercivas e punitivas, excepcionais ou não, que impeçam o livre exercício do direito de palavra, reunião, associação, manifestação e atuação política e partidária. Denunciar – e contra elas manifestar seu protesto e seu repúdio – todas as formas de repressão, legais ou não, que visem a intimidar, ameaçar, coibir ou punir os que pretendem exercer aqueles direitos. Lutar pela revogação da Lei de Segurança Nacional.

7. Apoio às Lutas pelas Liberdades Democráticas. Apoiar os pronunciamentos, as manifestações, as campanhas e as lutas de outros setores sociais, organismos e entidades, que colimem os mesmos fins expostos nesta Carta de Princípios e neste Programa Mínimo de Ação. Apoiar as lutas dos familiares dos presos, cassados, aposentados, banidos, exilados e perseguidos políticos pela sua imediata libertação ou volta, pela recuperação da memória de suas existências, pelo repúdio às torturas e ao tratamento carcerário arbitrário e desumano que foram, são ou venham a ser vítimas. Apoiar as lutas dos sindicatos operários, dos sindicatos e das associações profissionais de assalariados e de trabalhadores em geral contra a exploração econômica e a dominação política a que estão submetidos, pela liberdade e pela autonomia sindicais, pelo direito à livre organização nos locais de trabalho, pelo direito de reunião, associação, manifestação e greve. Apoiar as lutas contra todas as formas de censura e cerceamento à Imprensa, ao Teatro, ao Cinema, à Música, às expressões artísticas, à produção e à divulgação da Cultura e da Ciência, em defesa da ampla liberdade de informar-se e de ser informado, de manifestar o pensamento, as opiniões e as reivindicações, de adquirir e utilizar o conhecimento. Apoiar as lutas dos estudantes por melhores condições de ensino, pelo direito de se manifestarem e pela liberdade de criarem e conduzirem as suas entidades representativas. Apoiar as lutas de todo o povo por melhores condições de vida e de trabalho, por melhores salários, contra o aumento do custo de vida, por melhores condições de alimentação, habitação, transporte, educação e saúde. Apoiar a atuação dos partidos e dos parlamentares que endossem essas mesmas lutas. E denunciar e repudiar todas as tentativas de impedir, distorcer, obstruir, descaracterizar e sufocar as lutas do CBA/SP dos demais setores, organismos e entidades que se identifiquem com os princípios e objetivos aqui proclamados.

Julho de 1978

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