Naqueles idos dos anos 70, especialmente na sua primeira metade, o povo brasileiro foi vítima das maiores atrocidades da sua história. O regime ditatorial, fruto do golpe militar de 1964, chegou ao auge da sua repressão política, atingindo de diversas formas todos aqueles que ousavam remar contra a maré de arbítrio que tomou conta do nosso país. O Ato Institucional n.º 5, do final de 1968, permitiu que a ditadura implantada no Brasil ampliasse ainda mais a perseguição política, o que resultou em inúmeros desaparecidos, assassinados, presos, exilados, banidos, cassados. O método hediondo da tortura fazia parte da rotina diária dos presos levando-os ao desespero e muitas vezes à morte. Nesse período foram cometidos os mais bárbaros crimes contra os direitos humanos na nossa pátria.

Houve um momento em que perseguidos políticos eram apresentados à sociedade, pelos meios de comunicação, como terroristas, inimigos da pátria, criminosos e, até cartazes com fotos e legenda de PROCURA-SE eram afixados em locais públicos, na tentativa de exterminar com qualquer tipo de oposição ainda visível no país. Esses perseguidos eram estudantes, intelectuais, operários, professores, bancários, trabalhadores rurais, profissionais liberais, parlamentares, religiosos, enfim, setores integrantes da nossa sociedade que, desde o golpe militar, reagiram e combateram o regime de exceção implantado.

Na retaguarda desses perseguidos políticos encontrava-se um significativo número de famílias brasileiras, de patriotas, de democratas que clamavam por justiça, embora ainda de forma surda, sem que seu clamor atingisse a nação. Aos poucos o sentimento libertário foi sendo gestado. Na luta pela derrubada da ditadura militar era preciso especificar, de imediato, a necessidade da Anistia Ampla Geral e Irrestrita para os brasileiros perseguidos, o fim da famigerada Lei de Segurança Nacional e a implantação de uma Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana. Bandeiras de luta que foram defendidas pelas forças de oposição mais conseqüentes do nosso país.

As mulheres tomaram a dianteira em meados da década. As mães, como as da Plaza de Mayo na Argentina, e demais mulheres brasileiras que se colocavam contra a ditadura militar, criaram o Movimento Feminino pela Anistia. Inicialmente em S. Paulo e depois em quase todo o Brasil. Mas foi com a fundação do Comitê Brasileiro Pela Anistia no Rio de Janeiro que a campanha começou a tomar vulto. Rapidamente os comitês foram se multiplicando pelo Brasil afora, se transformando numa rede que conseguiu sensibilizar a população quando passaram vir à tona os crimes cometidos pelo regime militar. Os Comitês pela Anistia aglutinaram grande contingente de brasileiros, tornando a luta cada vez mais vigorosa. Finalmente, a força da sociedade organizada, fez com que o governo, naquele momento, dirigido pelo general João Batista Figueiredo, aprovasse em 18 de agosto de 1979 o projeto de anistia, promulgado em 28 de agosto do mesmo ano.

Mesmo anistiando os torturadores e todos aqueles que fizeram parte da repressão, a anistia foi uma grande vitória do povo brasileiro. Ela representou uma grande lição de democracia que desembocou na derrubada do regime militar, revelando do que é capaz uma sociedade organizada .

A anistia foi fundamental para a conquista das liberdades políticas no Brasil. A soltura dos presos, o retorno dos exilados, o fim das cassações, abriram caminho para a derrubada do regime de arbítrio. Para mim, meus amigos e minha família foi particularmente emocionante o retorno de Renato Rabelo, meu cunhado, juntamente com sua companheira, Conchita e seus filhos Nina e André, que só puderam retornar da França, onde estavam exilados, após a anistia.

Atualmente, a política neoliberal vigente no Brasil limita o alcance dos direitos sociais e dificulta o exercício das liberdades políticas, mas cria as condições para que, a exemplo da anistia, o povo brasileiro consiga atingir um novo patamar social. Essa é a continuidade de uma luta de que participo desde 1968 quando era estudante, passando pela campanha da anistia como membro do Movimento Feminino e, posteriormente, compondo a diretoria do CBA-Bahia, tendo inclusive sido presidente dessa entidade.

Salvador, 10 de julho de 1999

 *Ana Guedes participou da campanha da anistia como membro do Movimento Feminino pela Anistia e em seguida compondo a diretoria do CBA-BA.

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