Por Thales Chagas Machado Coelho

Em artigo publicado anteriormente (Reforma Política: o que você faria para sair dessa maré?) chamamos a atenção para vários aspectos a merecer reflexão sobre o cenário político brasileiro, dando ensejo à discussão de reformas para aprimorar nosso regime democrático.

Um dos pontos suscitados na ocasião foi o esgotamento do chamado presidencialismo de coalizão, tal como praticado desde o advento da “Nova República”, e a exigência da construção de nova governança, sem prejuízo das garantias de freios e contrapesos constitucionais. Com isso, quisemos dizer que é preciso assegurar a quem governa condições estáveis de exercício de um mandato executivo, visando à implementação de um programa, sem que essa agenda abale o alicerce do sistema presidencialista de governo: a separação de poderes.

Esse problema evoluiu de tal forma que, hoje, observando-se os arranjos partidários regionais vis-à-vis as coligações formalizadas para sustentação das candidaturas à presidência da República, não é possível afirmar que partidos serão base de sustentação de governo e quais formarão a oposição no próximo período administrativo. Com efeito, assiste-se, nesse período eleitoral, a uma imensa balbúrdia que inviabiliza a identificação de linhas de coerência na ação política. Há candidatura à presidência da República que, em determinado estado, possui uma miríade de candidatos a governador a apoiá-la; há candidatos ao governo de certos estados que apoiam simultaneamente um, dois ou até três candidatos à presidência da República. Candidatos considerados “fiéis”, nos estados, negam-se a enfatizar suporte à candidatura da circunscrição nacional, quando veem suas próprias postulações comprometidas.

A origem dessa barafunda, tomando-se por marco a promulgação da Constituição de 1988, pode ser identificada no profundo repúdio das forças políticas, à Resolução nº 22.156, de 2006, do Tribunal Superior Eleitoral, pela qual se dispôs que os partidos políticos que lançassem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição de presidente da República não poderiam  formar coligações para eleição de governador de estado ou do Distrito Federal, senador, deputado federal e deputado estadual ou distrital com partido político que tivesse, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato à eleição presidencial. Chamou-se isso à época de “verticalização das coligações em função das candidaturas presidenciais”.

O Congresso Nacional, na oportunidade, rechaçou, quase à unanimidade, essa deliberação, contrapondo-lhe a Emenda Constitucional nº 52, de 2006, que assegurou a ampla liberdade de coligações. Assim, como a conformação do poder legislativo na esfera federal deriva da liberdade de composição de coligações que se constroem nas circunscrições eleitorais estaduais,  o Congresso Nacional acaba se constituindo sem a marcação de uma nítida base governista ou de uma precisa oposição. A maioria parlamentar se situa sempre na seara cinzenta das negociações caso a caso, muitas vezes individualizadas. A situação complica-se ainda mais frente às dificuldades de se assegurar a observância da fidelidade e disciplina partidária. Não nos esqueçamos de que o voto proporcional em lista aberta, adotado entre nós, desde a redemocratização de 1946, para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, é um convite permanente à dissidência.

A confusão eleitoral, a par de gerar uma incapacidade de discernimento entre os eleitores, antecipa a dificuldade de governar. A título de legítima “desconcentração do poder e proliferação dos pontos de veto, que induzam persuasão e barganha entre atores-chave do processo político, de modo a evitar decisões unilaterais potencialmente tirânicas” (Bruno Wanderley Reis), instala-se, com os resultados eleitorais,  uma ambiência de permanente chantagem que mal disfarça o intuito de extorsão, pela via de canalização de recursos públicos ou de acesso a fontes privadas de financiamento, ou da combinação de ambos, necessários ao alcance ou manutenção do poder político. A consequência é o bloqueio ou esvaziamento do programa vitorioso, anunciado pelas rádios, televisões e palanques. Obviamente isso nos levaria a uma análise profunda sobre a funcionalidade, sob a égide da efetiva representação democrática, do modelo eleitoral, do financiamento de campanhas e do funcionamento dos partidos políticos. Deixemos esses temas, porém, para  outra oportunidade.

Antes disso, uma contribuição para maior racionalidade da governança, sem que, para tanto, governos precisem se submeter a tenebrosas transações (ou que se mitiguem as demandas), passa pela alteração do calendário eleitoral, a fim de que se estabeleça  a coerência no feitio do poder na esfera político-administrativa federal. Lamentavelmente, o Congresso Nacional vem desdenhando dessa questão.

Tramita há mais de sete anos no Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição nº 60, de 2007, que tem como primeiro signatário o Senador Francisco Dornelles (PP-RJ), por meio da qual se propugna que a coincidência ocorreria entre eleições para governador e deputados estaduais com a de prefeitos e vereadores, restando as eleições nacionais (presidente da República, senadores e deputados federais) isoladas. Para consolidação do ajuste, governadores e deputados estaduais eleitos numa primeira rodada de adaptação ao novo calendário fariam jus a um mandato de seis anos, sendo-lhes vedada, no entanto, a reeleição.

Vale repetir  aqui os argumentos constantes da justificação da proposta:  “A regra ora proposta apresenta benefícios nos dois pólos objeto da mudança. As eleições nacionais definir-se-iam num só momento, que concentraria a atenção do eleitor. Não haveria mescla entre questões estaduais e nacionais nas campanhas. Eleito o Presidente da República, a composição das duas Casas do Congresso Nacional seria conhecida. Nada obstaria o início das conversações para a formação do bloco governista. De outro lado, a coincidência entre as eleições estaduais e municipais engendraria benefícios análogos. As campanhas estariam concentradas nas questões estaduais e regionais, que englobam, necessariamente, também os interesses municipais”.

A aprovação dessa proposição pavimentaria caminhos para uma melhor governança e, naturalmente, levaria à sedimentação da ideia de consistência programática na política, levando-nos ao progressivo afastamento de  nefasto senso comum que permeia o eleitorado. Referimo-nos à opinião recorrente de que se deve votar em pessoas, não em partidos. Afinal, uma coisa é certa: em política uma andorinha só não faz verão. E é sempre bom saber para onde as andorinhas, aves de arribação, voarão no próximo verão.

Thales Chagas Machado Coelho é advogado e assessor técnico da Liderança do PT no Senado Federal   

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