Aloysio Biondi, 1936-2000

Morre um herói da imprensa brasileira

O jornalista Aloysio Biondi, 64 anos de vida e 44 de profissão, falecido no dia 21 de julho, em São Paulo, já deixou várias gerações de “autoridades econômicas” irritadas. Uma vez o ex-ministro Delfim Netto reclamou que ele o “perseguia há vários jornais”.

Biondi, nacionalista, adepto do jornalismo crítico e investigativo, de fato vivia perseguindo, ou melhor, denunciando as autoridades responsáveis pelas políticas econômicas que, há quatro décadas, a pretexto de combater a inflação ou “fazer o bolo crescer antes de reparti-lo”, alienaram o patrimônio nacional e os direitos dos pequenos empresários, camponeses e trabalhadores. Ele cumpria o seu dever buscando ser preciso. Segundo o colunista Jânio de Freitas, da Folha de S. Paulo, “o dia-a-dia de Aloysio Biondi era uma ourivesaria sem fim, pinçando e estabelecendo a conexão, surpreendente e verdadeira, dos maiores e dos mínimos dados presentes nas seções de economia, nos boletins de serviços governamentais, nas estatísticas e nos balanços, de que era admirável analista”.

Biondi tinha 64 anos. Nasceu em Caconde, interior paulista. Sem ter cursado a Universidade, ingressou na Folha de S. Paulo em 1956, onde ocupou os postos de redator, repórter especial e editor de economia. Manteve nesse jornal uma coluna entre novembro de 1992 e junho de 1999. Dirigiu o Jornal do Commercio (RJ) e o diário DCI – Diário Comércio & Indústria (SP), foi editor das revistas Visão e Veja, tendo passado também pela Gazeta Mercantil, Correio da Manhã, entre várias outras publicações. Foi agraciado duas vezes com o Prêmio Esso de Jornalismo Econômico, em 1967 e 1970.

Um detalhe importante de sua carreira, não destacado nos obituários, é que Biondi, em dobradinha com o jornalista Washington Novaes, foi um dos principais colaboradores do semanário Opinião, o principal jornal independente do País na primeira metade dos anos 70. Os dois trabalharam juntos também no Correio da Manhã, onde editavam o “Diretor Econômico”, um caderno diário de curta existência por causa de pressões políticas, e fundaram a revista Fator, que só durou três números e foi fechada pela Ditadura Militar.

Comentando o fato de Biondi ter sido reconhecido pela Fundação Cásper Líbero – onde lecionava a matéria “edição de jornais” – por seu “notório saber”, Washington Novaes, seu amigo e compadre, comentou que ele era “doutor em jornalismo, doutor em economia, doutor em Brasil, doutor em dignidade”.

Aloysio Biondi morreu no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, devido a complicações surgidas depois da cirurgia de um aneurisma da aorta abdominal. Ele estava enfermo há tempos mas escondia isso da família — a ex-mulher Ângela Leite, de quem estava separado há oito anos, e os filhos Pedro, Antônio e Beatriz. Morava com um amigo, Edson Nunes, que o considerava um segundo pai.

Ultimamente, Biondi mantinha uma coluna no Diário Popular, de São Paulo, e colaborava com o site MyWeb, o jornal Correio Braziliense e as revistas Bundas e Caros Amigos. Seu único livro, “O Brasil Privatizado – Um balanço do desmonte do Estado”, lançado no ano passado pela Editora Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores, já vendeu cerca de 150 mil exemplares. Na obra, ele destrincha a estratégia que o Governo FHC adotou para privatizar as estatais, dando destaque para as campanhas de manipulação da opinião pública patrocinadas pelo Palácio do Planalto e aos prejuízos que as privatizações causaram ao País e que foram escondidos pelo governo.

Os amigos de Biondi dizem que ele era muito afável, avesso às solenidades e aos restaurantes de luxo, e que um de seus maiores prazeres era tomar um chope com os amigos na mesa de um boteco. Quando sentiu o primeiro sintoma do infarto, ele estava terminando no computador – ao qual havia aderido apenas há poucos meses – a sua coluna para a revista Bundas.

Numa das últimas edições dessa revista, Biondi comentou que as denúncias da manipulação da grande imprensa pelo Palácio do Planalto para demonizar o MST e os professores paulistas em greve era um fato novo depois de cinco anos de conformismo, falta de indignação e cumplicidade com o governo e com os interesses econômicos pregados pelo suposto “novo jornalismo”. Foi uma das derradeiras lições desse professor do “velho jornalismo” pré-FHC, que deverá ser um exemplo para as novas gerações de jornalistas. Que seu exemplo frutique, mesmo no solo difícil do Brasil de hoje.


Publicado no site da Oficina de Informação (www.oficinainforma.com.br) do dia 25 de julho de 2000.

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