Tarso Genro, ex-ministro da Educação e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores abriu o debate com uma explicação sobre as relações entre moral e direito: a moral se configura como uma técnica de conduta e o direito como técnica de coexistência, e uma nunca independe da outra. "A ética parece mais ampla que o direito, mas a distinção dos dois campos é apenas circunstancial, com vistas a delimitar problemas particulares, grupos de problemas ou campos específicos de consideração e estudo", constatou ele.

Outro ponto de partida de seu discurso foi esclarecer que, de acordo com o senso comum da teoria política, "o sistema representativo favorece o compromisso, a moderação e a conciliação, enquanto a prática de consultas populares pode favorecer o conflito e a instabilidade". A partir daí, Tarso defende a idéia de que o conflito é necessário quando se fala em mudanças na sociedade. "Qual a nossa realidade atual para ‘testar’ esta afirmação?", questionou Tarso. E completou: conflito e estabilidade que atingem e envolvem a quem?", perguntou ele, lembrando que todas as grandes conquistas da modernidade vieram de situações de instabilidade, impermanência e precariedade das instituições que asseguram a ordem, com seus mecanismos de absorção e composição de interesses.

Assim, ao analisar a situação política atual, Tarso citou os duros ataques políticos que o PT vem recebendo, que dizem respeito à violação de normas de ética pública. Em sua opinião, o PT "abriu a guarda" para tais ataques quando cometeu o erro de separar ética e política, como se ambas as categorias habitassem campos normativos distintos. "Se é verdade que nossos acusadores não estavam credenciados eticamente para proferir acusações, esta ‘separação’ arbitrária credenciou-os politicamente, permitindo um discurso de reunificação da moral e da política que, socialmente, legitimou seus ataques", avaliou.

Para entender melhor essa questão da ética pública, Tarso coloca duas questões: a primeira diz respeito à legitimidade da ordem política, baseada na existência de liberdades políticas e instituições que permitam aos cidadãos se protegerem do exercício arbitrário da violência neste Estado. A segunda questão é referente à permeabilidade real desta ordem, para suportar mudanças que dêem efetividade aos direitos inscritos nas Constituições modernas.

Tarso ressalta que é um equívoco pensar que a visão instrumental das instituições da democracia e da república é uma criação dos socialistas e lembra o exemplo de Robespierre, na experiência mais radical de construção do Estado Moderno, citando o deslocamento feito pelos jacobinos do lugar da determinação da vontade soberana, que deixou de ser decidida simplesmente pela mecânica das regras constitucionais e passou a ser determinada concretamente, no jogo da política real, jogo no qual a manifestação direta das massas revolucionárias cumpria um papel decisivo.

Em vista disso, Tarso lembra a postura da imprensa diante da crise e constata que as instituições são "lamentadas" porque não permitiram, no caso, a "limpeza" da sociedade, de pessoas que já foram julgadas pela "opinião pública", que substitui as "massas revolucionárias" no exemplo de Robespierre. "A síntese de todos estes ataques não é a defesa de um programa de combate à corrupção ou da defesa de uma reforma política, mas é uma tentativa de descredenciamento absoluto da esquerda como possibilidade política e do PT em particular, para que ele passe a ser visto como inventor da corrupção e da imoralidade pública no Brasil", disse.

Toda essa "raiva programada" contra o PT e a esquerda brasileira tem como objetivo principal, na visão dele, sufocar a lembrança do que foi o governo FHC. Pois, se no terreno do desenvolvimento e da estabilidade, o governo atual é reconhecidamente melhor que os anteriores, é necessário incriminar, não somente as pessoas que erraram, mas "a coletividade política que elas integram e que era a fonte mais forte de oposição a FHC", como define Tarso.

Outro objetivo seria reduzir a eficácia da defesa política dos petistas, para com isso deixar o partido "fora da história", e com isso garantir sua hegemonia duradoura, sem oposição forte. "O ideal, portanto, seria que o PT, não só não se defendesse, mas se auto-extinguisse, pedindo desculpas por ter sido fundado", crítica o ex-ministro.

Concluindo, Tarso aponta lições que podemos tirar da crise, enfatizando a relevância da ética pública e lembrando que a corrupção pode tornar-se uma arma extraordinária para distorcer as instituições do Estado de forma aguda."Não deveria existir na política democrática a distinção entre aceitar financiamentos pessoais ilícitos e aceitar financiamentos ilícitos para o próprio partido ou, mais grosseiramente, entre roubar para si mesmo e roubar para o partido. Deveria considerar-se muito mais grave roubar para o partido a que se pertence que fazê-lo para o próprio enriquecimento pessoal", diz, citando Gianfranco Pasquino.

A socióloga Maria Victoria Benevides confessou seu desânimo dos últimos meses e falou da importância do momento atual para se discutir princípios do partido, afirmando sua grande afinidade com a fala de Tarso, principalmente no que diz respeito à instrumentalização da democracia e omissão à república.

Ela lembrou o plebiscito do parlamentarismo, no ano de 1993, onde grande parte da cúpula era parlamentarista e pouco se falou na república e em seu significado real. "Hoje, com as denúncias de corrupção, voltou-se a falar da república como temática ampla", observa ela, explicando que a ética pública está profundamente vinculada à concepção de República, o princípio dos interesses públicos acima dos particulares.

O segundo ponto destacado pela socióloga foi a responsabilidade de todos que têm poder político prestarem contas, serem transparentes e assumir responsabilidade por seus atos. Ela falou também da diferença entre ética e técnica: "A técnica visa a eficiência nos resultados, já a ética parte do contrário, porque tem a mesma preocupação com os fins e com os meios", define. Para ela, a máxima "os fins justificam os meios" pode ser aceita em uma revolução – mesmo assim, com exceções -, mas é preciso saber que isso está fora da ética pública, onde "os meios devem garantir a legitimidade do fim".

Maria Victoria revelou que seu desânimo começou durante a campanha, quando percebeu que nem todos os meios seriam ortodoxos. "Minha maior preocupação é descobrir que não há como defender um projeto nacional democrático e republicano junto a padrões de ética para a moral pública. Meu maior medo é que o descrédito com os políticos se espraie para a idéia de política como transformação, pois tenho certeza que fora da política não há salvação. Sem política, se aplica a violência, a lei do mais forte, pois é a política que garante que a sociedade não se transforme em uma guerra de todos", desabafa, firmando sua opinião de que o PT tem a obrigação de insistir em seu projeto republicano e democrático, como forma de devolver a esperança às novas gerações e manter, nos jovens, o interesse pela política.

O deputado José Eduardo Cardozo iniciou sua participação lembrando seu papel de "agente provocativo". Embora os três membros da mesa concordassem que os fins não justificam os meios, José Eduardo lembrou que, nos quadros gerais da esquerda, e também do partido, existem muitos que pensam o contrário, por isso a grande necessidade de aprofundar essa discussão.

Para iniciar esse debate, José Eduardo levantou questões que justificariam a idéia de que para uma revolução seria legítimo acreditar que os fins justificam os meios. O primeiro fundamento – definido por ele como messiânico e maniqueísta – seria o de que o capitalismo seria o mal e o socialismo a redenção, assim, quem responde sim estaria trabalhando pela "consciência da verdade". O segundo motivo seria a idéia de que a sociedade burguesa e capitalista não é ética por si só, ou seja, "ao se apropriar do Estado e do Direito – instrumentos da burguesia – estaria se atingindo o próprio Estado burguês, e não o público, agindo de acordo com a ética revolucionária".

Segundo José Eduardo, o equívoco teórico está claro nas duas argumentação: "Se queremos refundar o PT, temos que enfrentar essa questão profundamente, sem máscaras, com o máximo rigor, discussão teórica e criação de mecanismos de controle", disse, completando que, se não for dada atenção a isso, a crise não será aproveitada para saltos políticos de avanço.

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