Por Emiliano José

Discurso do dia 16/03/2010 na Câmara dos Deputados

Por Emiliano José

Discurso do dia 16/03/2010 na Câmara dos Deputados

"Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, do caldeirão fumegante do Partido da Imprensa Golpista pode sair de tudo, menos qualquer receita que seja de defesa do povo brasileiro. Novamente, mais uma vez, o PIG sai a campo com todo furor para atacar o PT e o governo Lula e a pré-candidata do PT, ministra Dilma Rousseff. O PIG não descansa. Sua luta contra o governo Lula, contra o presidente Lula, contra o PT, contra as forças democráticas, é incansável. Isso ninguém pode negar.

O PIG se dedica à luta contra quaisquer governos progressistas porque sempre foi a favor de privilégios, nunca gostou dos desvalidos, não aceita políticas públicas que beneficiem os mais pobres. E por isso não aceita o governo Lula, não aceita o presidente operário, não aceitou Vargas, não aceitou Goulart. Com propriedade, essa imprensa hegemônica, sustentada em algumas famílias, é chamada de Partido da Imprensa Golpista, porque sempre se perfila ao lado do golpe e contra as instituições democráticas, fingindo-se de defensora das liberdades em geral e da liberdade de imprensa em geral.

Quando falei em caldeirão fumegante, não o fiz apenas como exercício retórico. Faço-o pela simples razão de que o Partido da Imprensa Golpista tem trabalhado bastante na cozinha, como falamos quando nos referimos à retaguarda do jornalismo, e o pior é que, na cozinha, só trabalha ultimamente com temas requentados. E isso não lhe importa. O escândalo que ela quer construir, quando quer construir, não precisa ter o chamado fato novo, aspecto essencial do jornalismo quando levado a sério. Retira-se um fato de anos anteriores, coloca-se um título chamativo, e cá estamos nós com um novo escândalo, mesmo que tudo já tenha sido noticiado anteriormente, mesmo que não exista nada comprovado.

A revista Veja, hoje um arsenal ideológico de extrema-direita, articulado com os setores de imprensa mais reacionários do Continente, foi buscar os ingredientes de um assunto antigo, teve a solidariedade de um promotor que assaca permanentemente contra o PT, colocou tudo no caldeirão fumegante, e o título dá conta do resto. Bastou que o ex-presidente da Cooperativa Habitacional dos Bancários, João Vaccari Neto assumisse a tesouraria do PT para que a cozinha da Veja entrasse em ação. O mesmo promotor, José Carlos Blat, do Ministério Público de São Paulo, figura já conhecida por sua posição política, já havia feito a denúncia em 2006, a requenta agora, e a mídia e a oposição se encarregam do resto.

Essa investida de agora foi tão escandalosa, tão obscena, tão sob encomenda, que o juiz que recebeu a denúncia do Sr. José Carlos Blat desnudou-a, evidenciando os seus vícios e denunciando o seu evidente partidarismo.

O juiz Carlos Eduardo Lora Franco não aceitou o bloqueio das contas da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), nem a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-presidente da cooperativa e atual secretário de Finanças do PT, João Vaccari Neto. Não pode haver manipulação política, não deve haver manipulação da opinião pública e não devem ocorrer acusações sem provas, como de alguma forma foi ditopelo juiz, tudo que aparece na denúncia superpartidarizada do promotor Blat, uzeiro e vezeiro nessas práticas, personagem por demais conhecido.

Tudo sob medida, uma velha receita, perseguida desde sempre, com destaque para os últimos anos. O PIG tentou de todo jeito evitar a vitória de Lula em 2002. Não conseguiu. Tentou de todo modo impedir a vitória de Lula em 2006. Não conseguiu. O PIG espera sempre o suicídio, a renúncia ou a derrota de suas vítimas. É só olhar a história. Não houve isso com Lula. Muito ao contrário. Houve luta e afirmação da vida democrática, luta que contou com a participação decisiva do povo brasileiro.

No ano que passou, o PIG recorreu diversas vezes ao caldeirão fumegante de sua cozinha de requentamento. E tome-lhe Petrobras, e tome-lhe Lina Vieira, e tome-lhe Sarney, e tome-lhe derrotas. Nada tinha consistência. Eram pastéis de vento. Tudo caiu no vazio.

A oposição, a cada iniciativa do PIG, ia atrás, obedientemente, e perdia. Às vezes, conseguia os seus 15 minutos de fama, devidamente preparados pela própria mídia. Andy Warhol revisitado. E depois, bem, depois, tudo se mostrava sem base jornalística. Tudo que é falso desmancha no ar, poderíamos parafrasear Marshall Berman. Se o que é sólido desmancha no ar, imagine o que é falso.

O requentamento da mídia, sua fábrica incessante de escândalos sem qualquer base, continua a desmanchar-se no ar. Sua tentativa permanente de construir uma opinião pública contra Lula tem fracassado rotundamente. A opinião pública no Brasil vem ganhando autonomia, a cidadania brasileira hoje não se submete mais às tentativas constantes de manipulação.

Agora o PIG aponta o seu arsenal contra a candidatura da ministra Dilma. Planta notícias falsas, inventa currículos fantasiosos, esmera-se na mentira, requenta e requenta matérias à falta de fatos consistentes, verdadeiros. O PIG, no entanto, tem sido amplamente derrotado pelo povo brasileiro ultimamente. A oposição conta com o entusiasmo decidido desse PIG, em verdade o intelectual orgânico dos partidos de oposição, do PSDB e do DEM, que andam bastante desorientados.

Um escândalo aqui, outro acolá, surgido do caldeirão fumegante do PIG, é que dá à oposição a chance de respirar por 15 minutos, para logo depois sufocar novamente. Mas, insisto, o PIG não descansa. Nem o PIG nem o PCG, o Partido da Casa Grande, e aqui me refiro aos partidos que se rebelam contra as cotas, contra os negros, contra os pobres, contra os índios.

É, senhor presidente, o PIG não descansa. E nesse momento está seguindo religiosamente as diretrizes tiradas pelo Instituto Millenium, sobre o qual falaremos nesse pronunciamento.

Agora, além de requentar matérias antigas, que não mereceriam mais quaisquer suítes, resolveu filosofar. E não foi em alemão. É verdade que filósofos que fizeram opções de direita não constituem novidade na história. No entanto, eram bem melhores que aqueles que atualmente a mídia contrata, constrói ou requisita para tentar dar alguma substância ao delirante cenário que pretendem construir.

E querem construir o mesmo cenário anterior e quando me refiro a anterior, recuo um pouco no tempo, e lembro de leituras referentes ao Corvo como era chamado Carlos Lacerda. Lá atrás, com Getúlio, a UDN construiu um cenário em que tudo era corrupção, e a UDN era o próprio falso moralismo, sem qualquer autoridade para perorar sobre moral, e Lacerda aparecia como a sua grande vestal. Há hoje vários simulacros de Lacerda, inclusive na filosofia de que a mídia resolveu se valer agora.

Essa tentativa de filosofar para dar consistência ao PIG ganhou contornos concretos com a realização de seminário realizado pelo Instituto Milleninum, em São Paulo, no dia 1º de março deste ano, que custou R$500,00 a cada participante, juntou coisa de 180 pessoas, e contou com a participação de Otavinho (Otávio Frias Filho, do grupo Folhas), de Marinho (Roberto Irineu Marinho, da Globo) e, ainda, representantes da Rede Sul Brasil e do Estado de S. Paulo, entre outros. Em síntese, toda a direção central do PIG. Além de uma parte da intelectualidade de direita.

Os filósofos Roberto Romano e Denis Rosenfield quase recuperaram, talvez inconscientemente, e a modo deles, a abertura de um dos mais importantes manifestos da história e dos mais lidos do mundo, o Manifesto Comunista, de Marx. Romano, de modo especial, o conhece bem. Foi, quando dominicano, próximo da Ação Libertadora Nacional, dirigida pelo comandante Carlos Marighella, notável dirigente comunista. Ali, naquele momento, suspeita-se, Romano simpatizava com as idéias comunistas. Mudou.

Na abertura do Manifesto Comunista, o mais famoso manifesto da historia, Marx dizia que um espectro rondava a Europa, o espectro do comunismo. Os novos filósofos, de diversas maneiras, disseram, no seminário do Millenium, e o fizeram com palavras mais assustadoras, que um espectro ronda o Brasil, o espectro do bolchevismo, encarnado num PT de nítida tendência bolchevo-estalinista.

O Romano, não se sabe se recorrendo a Freud, se a Richard Sennet, se a Jung, chegou a dizer que militância causa corrosão de caráter isso mesmo, senhor presidente, corrosão de caráter. O partido de militantes, esse PT infernal, causa corrosão de caráter. Já não se fazem romanos como antigamente.

O militante, na visão originalíssima de Romano, só se reporta ao Chefe, abdicando de qualquer autonomia. Transforma-se num autômato, disposto a cumprir ordens, sem discuti-las. É o admirável mundo novo de Romano, quem sabe inspirado também em Aldous Huxley. Naturalmente, Romano fala do PT e de seus militantes. Fala de um PT imaginário, inspirado pelo bolchevismo-estalinismo, recuperado lá das profundezas da Revolução Russa e da tradição da III Internacional.

O PT, nessa visão romana, seria um partido essencialmente antidemocrático, que espera ansiosamente para dar o pulo do gato e acabar com a democracia e a liberdade de imprensa. Seria, para nos aproximarmos mais da América Latina, e foram tantos os oradores do Seminário do Millenium que disseram isso, um partido chavo-fidelista, partidário de Chávez e de Fidel, dos modelos venezuelano e cubano. Um partido, o nosso, sempre pronto a golpear as instituições democráticas. Anotem as sandices, pensem no quanto é delirante esse raciocínio político-filosófico.

Digo tudo isso, recupero tudo isso, senhor presidente, para mostrar o quanto as teorias romanas são caricatas, absurdas, indigentes, superficiais, movidas por um ódio de classe bastante transparente, do quanto o professor Romano foge da realidade do que seja o PT.
Do ponto de vista político, os participantes do seminário entoaram o samba de uma nota só. Contra Lula, contra o PT, contra Dilma. Contra Chávez. Contra Lula. Contra Rafael Correa.

Ali havia Arnaldo Jabor, também ex-comunista. Havia Reinaldo Azevedo. Havia Demétrio Magnoli. Havia Carlos Alberto Di Franco, do Estadão e da Opus Dei. E a fina flor da direita midiática latino-americana, como o âncora de televisão equatoriana, Carlos Vera (Ecuavisa), que chegou a dizer que o presidente Rafael Correa foi eleito por prostitutas, ou o dono da RCTV, que tentou o golpe contra Chávez em 2002, Marcel Granier. Era uma espécie de Internacional Latino-Americana do PIG.

O mérito desse encontro, e faço esforço para encontrar mérito, foi que entoaram o samba de uma nota só, romana e politizada, como já disse. Disseram todos, e claramente, que a mídia tem lado, que é contra Dilma, que éa favor de Serra.

Demétrio Magnoli disse que se o Serra ganhasse faríamos uma festa em termos de liberdades. Mas, confessou, a perspectiva é que a Dilma vença. Por ter uma avaliação da correlação de forças, é que esse seminário conclamou todos à luta.

Jabor foi claro: é preciso discutir como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo. Essa é a versão mais recente do que dissera o presidente do então PFL, Jorge Bornhausen, em 2005, que propugnara acabar com essa raça por 30 anos. Essa raça éramos nós, o PT. E por caprichos da história, ou por ironia, foi o PFL, em fase terminal, que teve de mudar de nome para DEM, que hoje ainda luta para sobreviver. Coisas do povo brasileiro, que sabe hoje distinguir quem é quem na vida política brasileira. Que tem maturidade para isso.

Para o PIG, que tem agora esse Instituto Millenium para ecoar o seu ponto de vista, que chama filósofos para tentar dar lastro ao seu pensamento, trata-se, na essência, de fazer política. Política de direita, para dizer o óbvio. Política para tentar evitar a vitória da ministra Dilma, que apavora o PIG neste momento, ao já empatar com o governador Serra. O PIG entrou de corpo e alma na campanha de Serra, como as evidências de quaisquer coberturas indicam. Como a construção fantasiosa de escândalos aponta. Logo depois da reunião do Millenium, a tropa perfilada do PIG subiu o tom e se dedicou a aplicar com rigor as diretrizes tiradas no encontro.

O PT e as forças democráticas não podem se iludir, não tem o direito de se iludir: a mídia hegemônica está em campanha e, insista-se, tem lado. Quanto à sua natureza partidária, digo isso há muito tempo. E o faço como jornalista e como professor de comunicação. O Seminário do Millenium não foi a senha para a abertura da campanha contra o PT, contra Lula, contra Dilma. Isso existe desde sempre. Ele apenas teve o mérito de deixar o rei nu. A campanha é feita pelo PIG cotidianamente, sem descanso.

O já folclórico Reinaldo Azevedo deixou o rei mais nu, e ainda mais obsceno. Segundo ele, é preciso acabar com essa pretensão à isenção, à imparcialidade, essa coisa de ouvir os dois lados. Só esqueceu de dizer que isso, para a mídia dominante, para o PIG, não existe há muito tempo. É só olhar para a matéria requentada da Veja sobre o tesoureiro do PT em que ela não ouve o João Vacari Neto uma única vez.

E a campanha é dura, sem critério, sem quaisquer cuidados. O Estadão, nos últimos dias, numa agressão falsa e despropositada, desrespeitosa, chama o PT de partido da bandidagem, numa estratégia clara de tentar desgastar o partido mais importante do Brasil, aquele mais bem avaliado pelo povo brasileiro em qualquer pesquisa. A mídia brasileira é das mais partidarizadas do mundo, insisto nisso, e ela tem sempre um lado claro, como tenho dito com absoluta freqüência.

O PIG, repita-se, tem lado, e é esse partido, contrariamente ao que diz o Instituto Millenium, que ameaça, e seriamente, a democracia no Brasil ao pretender-se a voz única da Nação e ao impedir, ou tentar sempre, a emergência de tantas outras vozes e interpretações da realidade brasileira, ao tentar sempre, quando seus interesses são contrariados, derrubar ou desestabilizar governos legitimados pelas urnas e que defendam os interesses populares.

A Conferência Nacional de Comunicação expressou tudo isso claramente e seria correto afirmar que os gatos pingados do Millenium tentaram ser um contraponto àquele fórum democrático, que reuniu mais de mil pessoas, todas eleitas, num processo que aglutinou milhares de brasileiros.

Volto a dizer: os ataques dos últimos dias estão seguindo as diretrizes tiradas durante o Seminário do Millenium, que orientou para a intensificação da campanha contra o governo Lula, contra o PT e contra a candidatura da ministra Dilma.

Devo, ao final, dar uma palavra sobre o meu partido, o PT, diante do festival de besteiras romanas e magnólias ditas pelos tantos participantes do Millenium. O PT, desde o seu alvorecer, desde o seu nascimento, colocou-se filosófica e politicamente como um partido democrático, postulando, como óbvio, transformações profundas na sociedade brasileira, mas insistindo que tais transformações deveriam se dar no leito da vida democrática, exclusivamente.

O PT nasceu como partido de massas, democrático, avesso a quaisquer ditaduras, com espaço amplo para os debates internos. Nunca teve nada a ver com centralismo democrático ou com ditadura do proletariado. Não pede licença para ser democrático e socialista. Para lutar pela democracia e pelo socialismo. Para não se render a uma mídia nitidamente golpista, contra a qual luta.

E chegou à presidência da República por ter conquistado os corações e mentes do povo brasileiro, num insistente e democrático trabalho de convencimento, fazendo política no amplo sentido da palavra.

Esse seminário do Millenium só reforça nossas convicções de que a luta pela democratização da comunicação no Brasil é essencial. Que não podemos nos conformar com o fato de que meia dúzia de famílias, alguns poucos monopólios, pretendam ser os intérpretes do Brasil, dispostos sempre ao golpe contra governantes legitimados pelas urnas quando estes não correspondam aos seus interesses. Foi assim com Vargas. Foi assim com Goulart. Tem sido assim com Lula. Será assim com Dilma.

O povo brasileiro, no entanto, especialmente nesses últimos tempos, tem sabido discernir perfeitamente o que é verdade e o que é mentira, o que é real e o que é manipulação. Não fosse assim, e Lula, como já o dissemos, não teria vencido por duas vezes. Agora, novamente, ancorados na sabedoria do nosso povo, na força do PT e dos partidos aliados, iremos fazer de Dilma nossa presidenta. Ela está pronta para conduzir o terceiro mandato desse extraordinário projeto emancipador, libertador, democrático e popular que estamos conduzindo no Brasil desde 2003.

Muito obrigado."

 

Emiliano José é jornalista, deputado federal (PT/BA) e integra o Conselho de Redação da revista Teoria e Debate

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