Peru vai para a esquerda e Portugal para a direita. Existem, sim, direita e esquerda, para desmascaramento dos escamoteadores. E a alternância entre os pólos no poder é saudável, ainda que nós, da esquerda, quiséssemos manter sempre a vanguarda política no poder. É saudável para que as referências de sustentação da sociedade não sejam atropeladas por um processo demasiado rápido, revolucionário, sempre muito arriscado. Eu definitivamente não gosto mais de revoluções. Gosto de avanços lentos, firmes e contínuos; ou então, avanços e paradas, com um tempo de conservadores no poder. É assim que o mundo caminha em direção ao socialismo.

Tenho a sensação de que a Europa está ingressando num período tumultuado em que esquerda e direita não sabem muito bem o que fazer. É crise capitalista, sim, a mesma que se vem fermentando desde os primeiros anos do século, elevando a pressão social, e infelizmente rasgando a construção da União Européia, tão bela e promissora, depois de tantas décadas de violência e calamidade naquele velho e civilizado continente.

Portugal e Grécia, de economias mais frágeis dentro do desequilíbrio produtivo do Continente, são as vítimas mais duramente atingidas pelas políticas ortodoxas do sistema financeiro, e as reações populares já se agitam na Grécia e certamente vão chegar às ruas de Portugal nos primeiros tempos do novo poder conservador. Na Espanha, não tão fraca, a temperatura subiu mais, prenunciando os tempos de perturbação política que provavelmente vão sacudir ao Europa, sem que ninguém possa prever os rumos que esses acontecimentos vão tomar, nem as imbricações que podem ter com a revolução democrática do mundo árabe.

É a crise do primeiro mundo, que o Japão já enfrenta há mais de uma década, e que os Estados Unidos seguram com seu estupendo poderio econômico. E é a hora de ascensão dos BRICS, especialmente da China e da Índia, com populações astronômicas, cujo consumo vai sustentar a demanda mundial.

A América do Sul e a África estão também nesta cadeia de sustentação da economia mundial, embora em escala bem menor. E o aprofundamento da integração do nosso Continente, cada vez mais ligado à expansão chinesa, é um objetivo importante a ser mantido nos próximos anos, com uma redobrada atenção em relação às assimetrias econômicas que dificultam e podem perturbar muito o processo. O ingresso no Mercosul de países de dimensões e economias intermediárias, como a Venezuela e o Peru, é de grande importância para o sucesso desta integração.

O Peru é um país de história tão profunda, sede do grande império hispano-americano no continente, que arrasou tão brutalmente os incas e sua civilização portentosa, o Peru que tem em Lima e em Machu-Pichu relíquias tão primorosas dessa história; o Peru que é um vizinho nosso tão próximo e tão desconhecido, que partilha conosco larga fronteira e vasta extensão amazônica, o Peru é um país estratégico no grupo dos andinos e demanda uma atenção especial de nós, brasileiros, assim como de todos da UNASUL.

O Peru é um país que tem uma sólida tradição política socialista, com um dos teóricos ortodoxos mais importantes da América, que foi Mariategui, e uma nação passou por tentativas renovadoras e experiências transformadoras absolutamente estranhas, como foram o desafio do velho líder aprista  Haya de La Torre às elites conservadoras no meio do século passado e o breve governo pretensamente revolucionário do General Alvarado décadas depois. Até mesmo o vergonhoso e corrupto governo Fujimori, que saiu fugido do país, foi eleito numa atmosfera de expectativa de renovação.

O novo presidente, Ollanta Humala, de feições racialmente brancas com nome não muito europeu, é uma nova e forte esperança: inequivocamente um homem de esquerda, e uma liderança efetivamente nova no Continente, que perdeu uma primeira disputa acenando com bandeiras radicais e venceu a segunda com propostas amadurecidas de avanço social mas respeito às regras democráticas e ao sentimentos da grande parcela conservadora da população. Ao que parece, escutou mais atentamente as palavras do nosso líder Lula. Excelente. É um princípio de renovação muito promissor, merece efetiva ajuda brasileira, sendo a contrapartida seu ingresso no Mercosul.

Veio a Brasília na sua primeira viagem, deu uma esticada a São Paulo para conversar com Lula, e visitará os outros três vizinhos do Mercosul, antes mesmo de ir aos seus companheiros andinos. Alvíssaras.

*Roberto Saturnino Braga é ex-senador pelo PT/RJ, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.

 

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