O cotidiano das pessoas negras em qualquer lugar do mundo carrega as marcas da discriminação. Sob diversas formas em diferentes esferas da sociedade, esse conjunto de opressões impõe uma luta diária e incansável. No Brasil, percebe-se com clareza essa determinação. Dignidade e liberdade são valores que fortalecem esse embate contra setores que ainda acreditam que a cor da pele diferencia cidadãos e os categoriza.

O cotidiano das pessoas negras em qualquer lugar do mundo carrega as marcas da discriminação. Sob diversas formas em diferentes esferas da sociedade, esse conjunto de opressões impõe uma luta diária e incansável. No Brasil, percebe-se com clareza essa determinação. Dignidade e liberdade são valores que fortalecem esse embate contra setores que ainda acreditam que a cor da pele diferencia cidadãos e os categoriza.

Trata-se de uma luta que não se esgota em vitórias pontuais, como a conquista das cotas raciais em universidades públicas e a recente aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pelo Congresso Nacional. Embora não tenha contemplado em sua integridade os mais legítimos anseios e necessidades da população negra brasileira, o Estatuto da Igualdade Racial pode ser, sim, considerado uma conquista. Não a ideal. Mas um passo significativo para as transformações que ainda estão por vir.

É o que se imprime na memória daqueles que não desistem nunca, daqueles que defendem a dignidade e fazem da liberdade um princípio supremo. É assim que acreditamos que o desafio que temos pela frente ficou mais consolidado com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Claro está que não devêssemos necessitar de leis, estatutos, decretos para garantir nossos direitos de cidadãos. Entretanto, as oportunidades não são idênticas entre brancos e negros. Daí por que lutamos!

O Estatuto aprovado vira lei ainda este ano e objetiva promover políticas públicas de combate à discriminação e proporcionar a igualdade de oportunidades. Por ora, não conquistamos o direito legal às cotas nas universidades, em empresas e ainda em candidaturas políticas. Isso não significa que elas não venham a existir futuramente. Já tramita, por exemplo, no Congresso um projeto (PLC 180/08) que reserva metade das vagas nas universidades e escolas técnicas para pobres, negros, pardos e indígenas, fruto também da articulação dos movimentos negros. Mais uma etapa a ser vencida!

O que importa de fato é que o Estatuto aprovado é um instrumento determinante de ação afirmativa e um caminho para mudanças estruturais importantes e para vencer a negação da rica diversidade brasileira. Haja vista que há mais de dez anos, o Estatuto da Igualdade Racial enfrenta resistências no parlamento e por setores reacionários incrustados nas diversas esferas da sociedade brasileira. Compreendendo esse contexto de forças que se opõem ideologicamente, não surpreende que as cotas tenham sido rejeitadas e o artigo que estabelecia políticas nacionais de saúde específicas para a raça negra tenha sido extirpado do texto. O artigo retirado incentivava a divisão de atribuições entre o governo federal, estados e municípios por meio de indicadores e metas, com o objetivo de identificar déficits no atendimento em saúde e a incidência de determinadas doenças entre os negros.

Porém, podemos considerar como respeito à nossa trajetória de luta a aprovação do artigo primeiro do Estatuto, que em seu parágrafo único diz: "discriminação racial ou étnico racial é toda a distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em igualdade de condições de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos políticos, econômicos, sociais, culturais ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada". Isso é uma prova do reconhecimento de que o país busca, com suas forças progressistas e apoio do governo Lula, a adoção de medidas para a redução das desigualdades.

Acreditamos, assim, que o Estatuto da Igualdade Racial vai impulsionar o processo de mudança de cultura e de valores no rumo da inclusão racial, social e econômica para todos, principalmente porque incorpora, por exemplo, no currículo de formação de professores temas que incluam valores de respeito à pluralidade etnorracial e cultural da sociedade; o reconhecimento ao livre exercício de cultos religiosos e o direito dos remanescentes de quilombos às suas terras.

Mas, para, de fato, corrigir falhas acumuladas ao longo da história brasileira em relação à questão racial, sabemos, ainda falta muito. O resgate dessa divida histórica não se escreve em apenas um documento. Representa muito mais e muito mais disposição de luta na promoção de uma sociedade justa e de respeito à sua população negra. Isso temos de sobra, tenham a certeza!

*Cida Abreu é secretária nacional de Combate ao Racismo/PT.

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