<!–
@page { margin: 2cm }
PRE.western { so-language: pt-BR }
PRE.cjk { font-family: "WenQuanYi Micro Hei", monospace }
PRE.ctl { font-family: "Lohit Hindi", monospace }
P { margin-bottom: 0.21cm }
P.western { so-language: pt-BR }

O Brasil pode ter cotas para negros em concursos públicos federais até o final do ano. Essa é a expectativa da ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luíza Bairros, que já iniciou negociações sobre o projeto no Ministério do Planejamento.

“Nossa expectativa agora é entrarmos no calendário dos debates com a Casa Civil e termos um posicionamento até o fim do ano”, explica a ministra, que concedeu uma entrevista exclusiva à Rede Brasil Atual. “A idéia é que seja uma decisão do Executivo e que, por isso, não tenha de passar pelo Congresso Nacional para ser aprovada”. A ministra defendeu cotas para negros e indígenas em universidades federais e criticou a falta de dados sobre o tema. “Não é possível garantir o desenvolvimento do Brasil usado apenas metade da população”.

Confira a entrevista.

O Projeto de Lei 180, de 2008, que tramita no Senado, e foi apresentado em 1999 na Câmara, reivindica cotas para estudantes de escolas públicas em universidades federais. Qual o posicionamento da Seppir sobre ele?

Ele é positivo no sentido em que reserva de 50% das vagas em universidades federais para estudantes de escolas públicas e, desse total, mais metade para estudantes negros, associando dois critérios [social e racial]. Ele se aplicaria a todas as instituições federais de ensino, tanto universidades quanto institutos tecnológicos.

Há perspectiva de quando ele seja aprovado?

Isso depende da dinâmica interna das votações do Senado, mas a relatora, senadora Ana Rita (PT-ES), tem colocado todo empenho para que seja votado. Já passou pela CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] e agora vai para a Comissão de Direitos Humanos. Dependendo do que os senadores aprovarem ele pode ir pode direto para plenário. Lá ele tem todas as condições de ser aprovado.

Por que é importante que as cotas sejam para estudantes negros e não só para os egressos de escolas públicas?

Porque esse critério social por si só não tem o poder de atingir diretamente os negros. Com as cotas raciais você toma as desigualdades étnicas como um parâmetro importante, como algo para ser efetivamente superado dentro da educação brasileira. As cotas raciais provocam, do ponto de vista do alunato negro, outro tipo de estímulo, pois eles percebem que há um espaço na universidade que está aberto também para eles.

Assim, as cotas raciais têm o poder de ampliar a expectativa dos estudantes negros. Eles nem sempre são pegos nas escolas públicas. Temos várias evidencias, através de discussões feitas com professores, que em muitas classes onde predominam alunos negros, os professores passam todo do ensino médio sem nem tratar com eles a questão do vestibular. Então, a cota racial faz os negros serem percebidos como potenciais estudantes das universidades brasileiras.

Esse fato, de os professores não trabalharem o vestibular com estudantes negros, está ligado a um racismo institucional no sistema de educação?

Sem dúvida. Vários educadores negros têm identificado que a inferiorização que o racismo provoca se reflete entre os professores, que acabam considerando que os alunos negros são menos dotados, menos inteligentes e que não têm como perspectiva de futuro a possibilidade de ingressar em uma universidade. É como se a possibilidade de desenvolvimento de um negro em uma carreira acadêmica fosse impedida por essa imagem racista, que nos coloca em uma posição de subalternidade quando se trata de ocupar lugares mais privilegiados da estrutura social.

Isso é resultado de um processo histórico de exclusão, certo?

Um processo longuíssimo. Basta ver, por exemplo, o efeito que causou não só a adoção de cotas em universidades, mas de um programa como o ProUni, que também inclui reserva de vagas para negros: ele provocou um impacto muito grande entre os jovens. Entre um milhão de bolsas distribuídas, 47% foram para negros. Isso tem um efeito positivo inegável.

Algum estado brasileiro merece destaque por estar mais avançado no debate sobre cotas no ensino superior?

As cotas já foram implantadas em 28 universidades federais e não existe registro negativo dessa adoção em nenhuma delas. Você tem exemplos como da Universidade do Paraná, que define cotas em uma proporção maior que o percentual de negros no estado: cerca de 10% dos paranaenses são negros e o percentual de vagas para cotas raciais na universidade é de 20%. Há também o caso da Bahia, onde existe maioria negra e, no casamento das cotas sociais com as raciais, se chega a 40% das vagas. Todos esses são exemplos positivos da adoção dessa política.

O que nós precisamos fazer é refinar o dado: saber exatamente quantos foram beneficiados pelas universidades federais. Hoje, por ano, são oferecidas 18 mil vagas nessas universidades por cotas. Porém, como elas adotaram o sistema em momentos diferentes não temos o quantitativo acumulado de todos que entraram por meio das cotas.

Qual a perspectiva da adoção de cotas para além da universidade, no mercado de trabalho?

Temos uma proposta de aplicar cotas para negros nos concursos públicos federais, que estamos discutindo com o Ministério do Planejamento e que seria algo muito importante no efeito demonstração. Ela já foi adotada em três estados: Rio de Janeiro, Maranhão e Mato Grosso do Sul. Além deles, uns 20 municípios no país também adotam as cotas, sendo que dois deles são capitais: Vitória, no Espírito Santo, e Rio de Janeiro, mais recentemente. Além disso, esse processo já se encontra bastante avançado no Rio Grande do Sul, onde existe um parecer na procuradoria do estado favorável à adoção de cotas em concursos públicos, tanto que eles já usaram cotas na última seleção para professores. À medida em que os estados avançam fica mais fácil fazer a discussão no governo federal.

Em que pé está esta conversa com o Ministério do Planejamento?

Nós fizemos uma primeira aproximação e levantamos o que seria o percentual de negros e brancos nos cargos públicos. São 23% de funcionários públicos federais que se classificam como negros, descontado o grande número que não registra sua cor. Obviamente esse é um percentual muito aquém do que é representação do negro na sociedade brasileira, que chega quase a 51%. Isso demonstra que para criar um equilíbrio em termos da representação negra no serviço público federal, temos ainda um espaço bastante grande para trabalhar.

Há perspectiva de quando este projeto de cotas em concursos públicos entre no papel?

No papel ele já está entrando. Agora nos falta uma discussão mais aprofundada com o Ministério do Planejamento e com a Casa Civil, para submetermos o projeto a vários olhares e colocarmos ele para acontecer. Nossa expectativa é que a gente entre no calendário dos debates com a Casa Civil e que até o fim do ano tenhamos um posicionamento. A idéia é que seja uma decisão do Executivo e que, por isso, não tenha de passar pelo Congresso Nacional para ser aprovada.

Qual o maior benefício que a adoção de cotas pode trazer para sociedade?

A questão de ter a igualdade assegurada. Entre todos os avanços que o Brasil teve e continua tendo em inclusão social, as desigualdades raciais não diminuíram. Para você aproveitar todo o potencial do país é preciso incluir todos os setores da sociedade. Não é possível, em um país com a dimensão do Brasil, você achar que é viável garantir o desenvolvimento usado apenas metade da população e a outra não. O benefício das cotas é poder contar, em todos os espaços, com a mesma diversidade que existe na população brasileira e assim é possível ter pontos de vista muito mais ricos.

`