02 de julho de 2012

Como ocorre a cada seis anos, o México passou este ano por um processo eleitoral no qual se renovaram a presidência da República, o congresso nacional, diversos governos municipais e estaduais bem como seus legislativos.

Os noventa dias de campanha eleitoral representaram para o Partido de la Revolución Democrática a oportunidade de levar nosso projeto a diversos âmbitos de governo com o principal objetivo de construir um México mais justo e inclusivo, realizar as transformações e reformas necessárias que têm sido postergadas pela direita, alcançar a verdadeira mudança que nosso país merece para enfrentar exitosamente este século e dar a todos os mexicanos melhores condições de vida.

Ao analisar o ocorrido nos últimos meses, no âmbito da esquerda cabe destacar diversos acontecimentos e elementos que devem ser levados em conta para o futuro da democracia e desenvolvimento de nosso país:

A eleição foi concluída. A campanha para a presidência do México passou de uma mensagem de triunfo certo do candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI) para uma estratégia do medo e da ameaça devido ao constante crescimento da candidatura de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) do movimento progressista conformado pelo Partido de la Revolución Democrática (PRD), Partido del Trabajo (PT) e Movimiento Ciudadano. As pesquisas apontavam o crescimento da esquerda desde o final do mês de maio, início de junho, chegou-se inclusive a falar de empate técnico entre o PRD e o PRI (1).

O desperdício de dinheiro e a coação do voto. Desde o começo da campanha foram denunciados os milhões de pesos investidos em propaganda da imagem do candidato do PRI, Enrique Peña Nieto (EPN), os enormes gastos com o uso de aviões privados, os gastos desmedidos em peças de propaganda (2) e a coação do voto, dos quais surgiram várias provas. Neste último caso, entre os principais exemplos temos a distribuição de cartões telefônicos  a cabos eleitorais com a imagem de Peña Nieto e com o lema “por um México de sucesso”, fatos que o PRD denunciou ao Instituto Eleitoral Federal (3);  a distribuição, no Estado do México, de pelo menos um milhão e oitocentos mil cartões de crédito Soriana, com mil pesos cada, também denunciadas pelo PRD (4); a distribuição de cartões de débito Monex entre os mesários para a compra e coação do voto, neste caso foram distribuídos quase 10 mil cartões com um saldo de mais de setenta milhões de pesos (5). Não é um tema novo, há antecedentes recentes de coação do voto por parte do PRI. Por exemplo, Sergio Aguayo, acadêmico e dirigente da organização Alianza Cívica, assinala o resultado de um estudo, financiado pelo próprio IFE, sobre compra e coação na eleição de 2009, no qual os três distritos com maior incidência nas entidades investigadas situavam-se no Estado do México, a entidade federativa que Enrique Peña Nieto governou de 2005 a 2011: Valle de Chalco com mais de 56,8%, Toluca com 42,3% e Ecatepec com 38% (6). A tendência nesta eleição parece ter se repetido e alastrado para outros territórios do país governados pelo PRI.

 

O desequilíbrio na cobertura das campanhas pela mídia. A política e o exercício da democracia nas sociedades modernas são inconcebíveis sem a participação dos meios de comunicação. Para a esquerda está claro que no México há um longo caminho a ser percorrido no que toca à responsabilidade democrática que devem assumir alguns meios de informação quanto ao exercício da liberdade de expressão e o direito à informação. Conforme alerta constante de nosso candidato, a forma como foram transmitidas as informações por meio das grandes cadeias televisivas foi totalmente parcial, para além da cobertura em termos do tempo dedicado a cada candidato, na análise qualitativa, a imagem projetada de Andrés Manuel López Obrador foi negativa e difamatória. A informação revelada pelo jornal inglês The Guardian (7) no mês de junho confirmou o que a Televisa e Peña Nieto negaram insistentemente: houve vínculos e contratos de ambos os lados para impulsionar a imagem deste último.

 

O impacto dos jovens. O voto jovem emigrou para AMLO ao passo que um ano antes o candidato do PRI gozava de um alto índice de simpatia: Peña Nieto transmitia aos jovens uma mensagem de esperança, de homem de sucesso favorável à construção de um Estado eficaz. A simpatia pelo PRI veio abaixo quando mais uma vez revelou seu gene autoritário frente aos questionamentos feitos ao candidato na Universidade Ibero-americana na Cidade do México. O surgimento do movimento de jovens denominado “Yo soy 132”  foi sem dúvida um exemplo de compromisso democrático. Hoje a esquerda está mais comprometida que nunca com suas demandas – entre elas a democratização dos meios de comunicação – e, a partir das diferentes trincheiras, lutaremos para materializá-las pois estamos certos de que são questões que transcendem o aspecto eleitoral e são uma reivindicação justa que deve ser atendida, não podemos permitir outra vez que as instituições percam a credibilidade frente à juventude. O renovado compromisso das gerações que estarão à frente do país nos próximos anos será correspondido por nosso partido com todos seus esforços para responder a essas demandas.

 

O voto do medo. Frente ao crescimento de AMLO, a direita representada pelo PRI e pelo Partido Acción Nacional retomou a estratégia aplicada em 2006. A campanha de desprestígio sofrida por nosso candidato teve por objetivo gerar o medo na população, deturpando nossas propostas. As inserções difamatórias atingiram um grau tal que reduziram a equidade e as regras da disputa, razão pela qual algumas foram suspensas pela autoridade eleitoral. A estratégia do medo contra um candidato pela via de calúnias difamatórias e de frases editadas provocou um clima de confronto semelhante ao que ocorreu em 2006, reacendendo a divisão entre os mexicanos. Se o PRI tinha por certo seu triunfo, deveria ter aberto as portas para a que seria sua mais forte oposição, mas preferiu alimentar novamente o fantasma do medo em troca do que representa a esquerda e dos possíveis conflitos pós-eleitorais.

 

O papel do árbitro. Frente a tal realidade, as autoridades eleitorais exibiram fraqueza e impotência. Os partidos PAN, PRD, PT e Movimiento Ciudadano solicitaram reiteradas vezes ao Instituto Federal Eleitoral (IFE) a realização de um procedimento extraordinário excepcional para fiscalizar os gastos de Enrique Peña Nieto e a divulgação pública de seus resultados antes da eleição, mas as várias propostas foram rejeitadas. Estes mesmos partidos solicitaram, inclusive, a criação de um grupo revisor para, em coordenação com a Unidade de Fiscalização, trabalhar na revisão dos gastos de todos os partidos políticos. A proposta, contudo, foi rejeitada pelo Conselho Geral do IFE.
A desconfiança cidadã. Empresas de pesquisa mexicanas como a Buendía y Laredo detectaram que 43% dos/as mexicanos/as achavam que estas eleições seriam “pouco ou nada limpas”. Na mesma pesquisa, 43% afirmavam ter  pouca ou nenhuma confiança no IFE (8); segundo o acadêmico Sergio Aguayo, essa desconfiança permanente dos cidadãos não foi dissipada devido ao histórico dos processos eleitorais da democracia mexicana (9).

Hoje a esquerda mexicana se consolida como segunda força política do país, conforme assinalado pela votação nacional; nosso projeto de governo representa uma verdadeira oportunidade de mudança para milhões de mexicanos. Embora as tendências de voto tenham nos favorecido durante a campanha por conta do crescimento da esquerda nas pesquisas e da queda do candidato do PRI, houve, como já foi dito, diversos fatores que distorceram a imagem de nosso candidato e nossas propostas.

No dia da eleição mais de cinco milhões de eleitores viveram o dilema de votar em zonas de alta periculosidade (10). O fenômeno da insegurança e da violência apresentou-se de modo inédito nos processos eleitorais mexicanos. Ainda está por ser analisada a forma como podem ser contaminados os resultados em consequência da violência que se desatou no país. Para além do ocorrido no dia 1º de julho, está claro que o país já não pode seguir padecendo este tipo de situação, pode ainda menos seguir suportando mais mortes por conta da estratégica equivocada do governo federal de combate ao crime organizado, a estagnação da economia e as condições de vida em geral. Por isto, a esquerda também continuará lutando por um México mais seguro mas com uma estratégia integral que proporcione mais justiça e oportunidades para a população mais desprotegida e para os jovens, de modo a diminuir o risco de que caiam nas redes do narcotráfico.

Cabe também assinalar que a esquerda não apenas se consolida como a segunda força política do país em termos de projeto nacional mas que também obteve importantes vitórias no Congresso Nacional, nos governos locais como em Tabasco e Morelos, em assembleias estaduais e em múltiplos municipios. Sem dúvida, a vitória mais clara foi na capital do país que hoje se confirma não só como o principal bastião da esquerda mas também como um exemplo de governo e resultados que se manifestam nas preferências eleitorais do capitalinos.

Em síntese, o processo atual nos obriga a redobrar esforços, as práticas da direita e os interesses que representa deixam claro que as batalhas para alcançarmos uma democracia de qualidade continua sendo um dos grandes desafios do país. Também está claro que a direita e seus aliados procurarão seguir concentrando os privilégios nas mãos de poucos, tentarão manter o status quo, enquanto mais de 52 milhões vivem em estado de pobreza e quase 12 milhões vivem na pobreza extrema (11). Não obstante, está ainda mais claro que milhões de mexicanos confiaram em nosso projeto e clamam por mudanças de fundo, desejam um país de incluídos e justo, esta é a nossa tarefa e principal lição que tiramos do processo, todo o nosso empenho será o de honrar tais compromissos para com eles nos anos por vir.

Referências:

(1) É o caso da pesquisa apresentada no Observatório Universitário Eleitoral (12 de junho) por uma equipe integrada por acadêmicos da Universidade Autônoma do México, a Universidade Autônoma Metropolitana  e o Colegio de México. Cabe assinalar que esta medição teve uma representatividade muito superior à média das pesquisas pois foi aplicada em 3.480 domicílios de 600 seções eleitorais.

(2) Miguel Ángel Vargas V, “AMLO y PAN: Peña ya rebasó el tope de gastos de campaña”, ADN Político, Abril 18, 2012;  http://www.adnpolitico.com/2012/2012/04/18/pena-ha-gastado-ya-150-mdp-en-publicidad-exterior-monreal; Horacio Jiménez, “AMLO cuestiona gastos de campaña de Peña”, 12 de abril, http://www.eluniversal.com.mx/notas/841492.html.

(3) Agencia el Universal,  “Denuncia PRD presunta coacción de voto a favor de Peña Nieto”, El Universal, 22 de junho de 2012, http://mx.noticias.yahoo.com/denuncia-prd-presunta-coacci%C3%B3n-voto-favor-pe%C3%B1a-nieto-201600825.html

(4)  Alma E. Muñoz y Roberto Garduño, “Denuncia el Movimiento Progresista campaña tarjetera en el Edomex”, La Jornada, 29 de Junho de 2012, P.1  http://www.jornada.unam.mx/2012/06/25/politica/003n1pol

(5) Templo Mayor, “Monederos electrónicos Monex ¿rebasó gastos de campaña?” Reforma, 28 de junho de 2012. Outro dos múltiplos exemplos foi o vídeo publicado no Youtube por meio do qual se mostra um depósito cheio de material de propaganda, depesas, colchonetes, entre outros, para promover o candidato  http://www.netmedia.info/elecciones/muestran-en-video-bodega-llena-con-despensas-priistas/

(6) http://villaacevedo.wordpress.com/2012/06/13/rosa-virginal-sergio-aguayo-quezada/

(7) Roberto González Amador , Creó Televisa “unidad secreta” para Peña Nieto: The Guardian,  La Jornada ,27 junho 2012 10:32 am

(8) Salvador Camarena, “El fantasma del fraude resucita en México”, El País, 21 de junho de 2012, http://internacional.elpais.com/internacional/2012/06/21/actualidad/1340307972_254587.html

(9) Sergio Aguayo, “Elogio de la duda”, Reforma, 27 de junho de 2012, http://www.reforma.com/editoriales/nacional/663/1324191/

(10) Sergio Aguayo en http://villaacevedo.wordpress.com/2012/06/13/rosa-virginal-sergio-aguayo-quezada/

(11) Coneval, “Porcentaje de la población en pobreza según entidad federativa, 2010  Estados Unidos Mexicanos”, Coneval, http://www.coneval.gob.mx/cmsconeval/rw/pages/medicion/pobreza_2010.es.do

 

(Tradução Mila Frati – FPA)

`